A fachada da Academia Brasileira de Letras (ABL), localizada no centro do Rio de Janeiro, ganhou um novo destaque com a inauguração de um mural dedicado ao escritor Machado de Assis. Com 150 metros, a obra faz um recorte da vida do autor, retratando momentos e cenários importantes, como a casa onde viveu no Morro do Livramento, a emblemática Rua do Ouvidor e sua esposa, Carolina Augusta. Outros elementos incluem referências às suas paixões pela música clássica e literatura, além de suas reflexões sobre vida e morte.
O mural apresenta uma letra “M” ornamentada à esquerda, evocando o estilo de livros antigos e simbolizando o início da carreira de Machado como tipógrafo. O ponto alto da obra, no entanto, é uma partida de xadrez, onde um Machado de Assis negro derrota sua versão embranquecida, reafirmando a verdadeira identidade do primeiro presidente da ABL como um homem negro.
Este mural faz parte do projeto Negro Muro, idealizado pelo produtor Pedro Rajão e pelo artista Fernando Cazé, com o objetivo de resgatar e valorizar a memória negra em diversos pontos da cidade. Ao todo, são 62 murais espalhados pelo Rio de Janeiro, cada um celebrando personalidades negras que marcaram a história do Brasil.
Arte como Ferramenta Antirracista
Segundo Fernando Cazé, o mural de Machado de Assis tem um papel crucial na desmistificação da identidade racial do autor. “Chega dessa ideia de que Machado era branco. Estamos aqui para reafirmar sua negritude e seu legado dentro da Academia Brasileira de Letras”, comenta o artista. Para Pedro Rajão, a produção de murais é uma forma democrática de arte, acessível a todos que transitam pelas ruas.
Machado de Assis, um dos escritores mais importantes do Brasil, nasceu no Rio de Janeiro em 1839 e faleceu em 1908. Sua vasta obra inclui dez romances, mais de 200 contos, peças teatrais, poemas, e centenas de crônicas. Entre suas obras mais notáveis estão Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro.
O Legado para as Novas Gerações
O evento de inauguração contou com uma mesa-redonda com pesquisadores, entre eles a professora Dandara Suburbana, que destacou a importância de resgatar a figura de Machado como um grande intelectual negro. “Machado de Assis é uma referência não apenas na literatura nacional, mas no cenário internacional. Este mural é uma forma de afirmar que pessoas negras escrevem, produzem e contribuem para o conhecimento em nível global”, afirmou Dandara.
Ela também desmistificou a ideia de que os jovens não têm interesse em leitura. “As redes sociais podem ser uma poderosa aliada na disseminação da literatura, inclusive a negra. Páginas que mesclam escrita, vídeo e interação digital estão mostrando que é possível atrair novos leitores de forma dinâmica e divertida“, concluiu.
O escritor Godofredo de Oliveira Neto, membro da ABL, reforçou o vínculo profundo entre Machado e a instituição. “Machado é a alma da Academia. Nós existimos por causa dele e sua obra é o pilar da cultura brasileira”, afirmou.
Com essa iniciativa, a ABL se une ao esforço de preservação e celebração da memória de um dos maiores ícones da literatura brasileira, reafirmando sua importância não só como escritor, mas como pensador e intelectual negro.