No samba-enredo da Portela, Luís Gama, advogado e abolicionista do século 19, reverencia a luta da mãe africana, Kehinde, escravizada na infância e protagonista do romance “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves. O desfile da escola carioca na Sapucaí traz uma nova perspectiva dessa obra lançada em 2006, dedicada à história de mães negras que enfrentaram adversidades inimagináveis.
Ana Maria Gonçalves, autora do livro, expressa sua admiração pela adaptação: “O samba-enredo não é exatamente uma adaptação do livro. É uma conversa com a história que está sendo contada no livro, adaptada para uma realidade que a gente vive no país até hoje. Vai ser uma grande homenagem às mães negras, principalmente àquelas que, por vários motivos, não puderam criar seus filhos.”
“Um defeito de cor” retrata a jornada de Kehinde, também conhecida como Luísa no Brasil, que enfrenta inúmeras dificuldades desde o sequestro na África até os horrores da escravidão e a busca incansável pelo filho vendido como escravo. Para Ana Maria, essa homenagem na Sapucaí oferece uma oportunidade para apresentar novas narrativas sobre a história da população negra no país.
Este ano, pelo menos cinco escolas do Grupo Especial buscaram inspiração na literatura para seus desfiles, incluindo Salgueiro, Grande Rio, Porto da Pedra e Imperatriz Leopoldinense. Para Ana Maria Gonçalves, essa fusão entre literatura e samba é benéfica para ambos os lados.
“A literatura ganha por conseguir formar um público leitor que a gente não alcançaria se não fosse através do samba, da música e do carnaval. E o carnaval ganha com a possibilidade de renovação das histórias que vêm contando. E principalmente, ao trazer histórias como a do livro Um Defeito de Cor, que falam do povo negro do Brasil”, ressalta a autora.
Além de se envolver intensamente com a Portela durante os preparativos para o desfile, Ana Maria Gonçalves decidiu desfilar em uma das alas da agremiação, rendendo-se ao encanto da escola. Ela vê no desfile uma oportunidade única para ampliar o alcance das discussões sociais e popularizar a literatura, tornando-a acessível a um público mais amplo.
“Acredito que o samba vai ajudar a popularizar uma série de pautas que a gente vem tratando em meios como a literatura, e pode chamar a atenção de outros carnavalescos. Popularizar a literatura é um dos grandes sonhos de todo escritor contemporâneo, que conta as histórias que eu conto”, conclui.