O carnaval carioca se prepara para se despedir de alguns de seus blocos mais emblemáticos. O Imprensa Que Eu Gamo, que completa 30 anos em 2025, anunciou que realizará seu último desfile no próximo carnaval. O Suvaco do Cristo, um dos mais antigos da cidade, também revelou que seu encerramento ocorrerá em 2026, após mais de quatro décadas de história.
Ambos se juntam ao Escravos da Mauá, que encerrou suas atividades em 2022, e ao Bloco de Segunda, que se despediu em 2023. Esses quatro blocos, com décadas de atuação, marcaram a revitalização do carnaval de rua no Rio de Janeiro e fizeram parte da transformação cultural da cidade, arrastando milhões de foliões ao longo de suas trajetórias.
Razões para o fim: “É o encerramento de um ciclo”
Rita Fernandes, presidente do Imprensa Que Eu Gamo e da Associação Independente dos Blocos de Carnaval de Rua da Zona Sul, Santa Teresa e Centro (Sebastiana), explica que o encerramento reflete mudanças no carnaval de rua e dificuldades operacionais.
“O alto custo, a burocracia, a falta de renovação na organização e as mudanças no perfil do público são fatores que desgastaram o modelo tradicional de desfile”, afirma Rita. “Nosso formato, com carro de som, sambas próprios e camisetas, já não encontra o mesmo espaço no carnaval atual.”
Segundo Rita, o carnaval é dinâmico e reflete transformações sociais e urbanas. “Há ciclos de ascensão, ápice e declínio. Naturalmente, novos formatos ganham força.” Ela destaca o crescimento dos blocos de fanfarra, que oferecem mais liberdade e se conectam com um público interessado em experiências inovadoras.
A história do Imprensa Que Eu Gamo
Fundado em 1995 por um grupo de jornalistas em uma mesa do Mercadinho São José, em Laranjeiras, o Imprensa Que Eu Gamo se destacou por sambas que eram crônicas bem-humoradas sobre o cotidiano carioca. O primeiro samba, “Rio Cidade com a NET de Carona”, de Marceu Vieira, satirizava o projeto Rio Cidade e marcou o início de uma tradição criativa.
Marceu, jornalista e compositor, reconhece o fim como necessário. “O modelo já estava desgastado. A nova realidade, com blocos mais livres e descontraídos, é muito atraente.”
Burocracia e altos custos
Colocar um bloco tradicional na rua tornou-se um desafio logístico e financeiro. Segundo Rita Fernandes, o custo para um desfile do porte do Imprensa Que Eu Gamo chega facilmente a R$ 100 mil. Os gastos incluem carro de som, seguranças, infraestrutura e taxas burocráticas.
“Hoje, dá mais trabalho do que prazer. O desfile normatizou, encareceu e perdeu parte da leveza que caracterizava o carnaval de rua”, lamenta Rita.
Transformações no carnaval de rua
Rita, que também é autora do livro “Meu Bloco na Rua: A Retomada do Carnaval de Rua do Rio”, observa que o carnaval carioca está em constante evolução. A transição atual, marcada pelo crescimento das fanfarras, resgata a fluidez dos primeiros blocos de rua, enquanto enfrenta os desafios de adaptação ao controle urbano.
“O carnaval reflete os movimentos sociais e culturais de sua época. Na década de 1990, era uma resposta à redemocratização e à busca por ocupação cultural das ruas. Hoje, o público busca formatos mais livres e espontâneos.”
A despedida de blocos como o Imprensa Que Eu Gamo e o Suvaco do Cristo representa não o fim, mas a transformação de uma das maiores festas populares do Brasil. Novos modelos, blocos e formatos continuam a surgir, mantendo viva a essência do carnaval carioca.