O cacique Merong Kamakã Mongoió foi encontrado morto na manhã de segunda-feira (4) em Brumadinho (MG). Ele liderava um grupo de indígenas que há mais de dois anos vivia em um terreno pertencente à mineradora Vale. Anteriormente, esses indígenas estavam dispersos em áreas urbanas da região. O grupo se estabeleceu no local em outubro de 2021, em um movimento de retomada da aldeia.
Os kamakãs mongoiós são uma família do povo pataxó-hã-hã-hãe, cuja aldeia principal está localizada no litoral sul da Bahia, ao pé do Monte Pascoal. Um vídeo divulgado pela União Nacional Indígena (UNI) em março de 2022 mostra o progresso do trabalho em Brumadinho. Nele, Merong explica que a retomada mobilizou kamakãs mongoiós que, ao longo de 40 anos, deixaram a Bahia em momentos de conflito e viveram em áreas urbanas, muitas vezes em condições precárias e sem acesso aos direitos garantidos aos povos indígenas.
“Durante a pandemia de covid-19, exigimos garantias de vacinação e comida, mas esses direitos nos foram negados. Então, pedimos ao Grande Espírito que nos guiasse e chegamos a este território abandonado com uma nascente. Mais tarde, descobrimos que pertence à Vale. Talvez no papel, mas a empresa não vive aqui. Esta terra é para nós vivermos, plantarmos, nossas crianças tomarem banho no rio e receberem uma educação diferenciada. Esta luta não é apenas nossa. Queremos proteger as nascentes. Queremos proteger os territórios das crateras da mineração”.
Outro vídeo mostra uma cerimônia de demarcação simbólica da terra. Nele, os indígenas instalam uma placa no território, nomeando-o Aldeia Kamakã Mongoiõ. “Nosso corpo pode até servir de adubo para esta terra, mas não sairemos daqui”, disse Merong na ocasião.
Procurada pela Agência Brasil, a mineradora afirma que o terreno destina-se à recuperação ambiental e tornou-se objeto de disputa judicial. “A Vale lamenta a morte do cacique Merong e se solidariza com seus familiares e a comunidade indígena”, acrescenta o comunicado.
A propriedade da mineradora está em uma área conhecida como Vale do Córrego de Areias, a cerca de 20 quilômetros da Mina Córrego do Feijão, onde ocorreu o rompimento de uma barragem que causou 270 mortes em 2019. Entre os afetados pelo episódio está outra aldeia do povo pataxó-hã-hã-hãe. Localizada às margens do Rio Paraopeba, ela se dividiu após a tragédia, e muitas famílias acabaram deixando o local.
O corpo de Merong apresentava sinais de enforcamento. Natural de Contagem (MG), ele tinha 36 anos. Acionados, policiais militares estiveram presentes no local e registraram a ocorrência como suicídio. No entanto, pessoas próximas ao cacique não acreditam nessa hipótese.
“O cacique Merong foi assassinado. Simularam um suicídio, mas não foi. Merong conversou comigo em particular por 30 minutos no dia 25 de fevereiro. Ele tinha muitos planos para expandir a luta”, postou em suas redes sociais Frei Gilvander Moreira, membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e amigo do cacique.
A Polícia Civil informou que, por enquanto, “nenhuma linha de investigação está descartada”. A Polícia Federal confirmou que também está participando das investigações. Sua mobilização se justifica porque, caso se conclua que Merong foi vítima de crime, a competência para julgar o caso será determinada levando em conta as motivações envolvidas. A Súmula 140 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabelece que homicídios envolvendo indígenas são discutidos na esfera estadual. No entanto, de acordo com a Constituição Federal, a responsabilidade é do judiciário federal se o crime estiver relacionado a disputas ou conflitos em torno de direitos indígenas.
A morte do cacique foi lamentada em nota divulgada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Em suas redes sociais, a deputada federal indígena Célia Xakriabá (PSOL) comentou sobre o ocorrido. “Merong continuará vivo em nossos corações e na nossa luta, pois a luta é o que temos de herança”, escreveu. Manifestações de luto também foram divulgadas por diversas organizações da sociedade civil, como a Confederação.