O Projeto de Lei das Fake News (PL 2630) apresenta importantes pontos como a criminalização das fake news, a exigência de empresas de tecnologia terem sede no Brasil e a proibição de disparos em massa em aplicativos de mensagens. Recentemente, o tema foi debatido em audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, o projeto enfrenta muita polêmica e os deputados e senadores precisam avançar na discussão da proposta. Embora aprovado no Senado em junho de 2020, o texto sofreu mudanças significativas e está parado na Câmara dos Deputados desde abril do mesmo ano.
Em uma tentativa anterior, a proposta não alcançou os votos necessários para ter a tramitação acelerada. Agora, um novo pedido de urgência deve ser pautado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). O PL tem como objetivo aumentar a transparência nas redes sociais e nos serviços de mensagens privadas, bem como a responsabilidade dos provedores no combate à desinformação. O texto também prevê sanções para o descumprimento da lei e o relator da proposta na Câmara, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), acredita que a votação pode ocorrer ainda este semestre.
Para o deputado, uma possível solução seria a responsabilização da plataforma quando houver publicidade e impulsionamento. “Uma coisa é alguém publicar algo na rede social, uma ideia. Aí, as plataformas falam que é liberdade de expressão. Se não for conteúdo ilegal, não há problema. Mas, se for publicada uma fake news paga em uma empresa, e essa empresa projetar isso em um alcance que aquilo nunca teria, é outra coisa. As empresas não podem ser sócias da propagação de desinformação, fake news e discurso de ódio. Sempre que houver impulsionamento, patrocínio e ganhos, a plataforma precisa assumir a sua responsabilidade”, afirmou
Big techs
De acordo com Antônio Carlos Freitas Junior, um advogado e professor de Direito Constitucional que também é membro da comissão de regulamentação e mídias sociais no Instituto de Advogados de São Paulo, a discussão sobre a regulamentação das grandes empresas de tecnologia, conhecidas como “big techs”, se tornou essencial no século XXI.
Ele destacou que pesquisas recentes evidenciam como essas empresas podem influenciar o comportamento eleitoral por meio da distribuição de postagens e de seus algoritmos. “Em algum momento, uma autoridade, até mesmo mundial, e os países vão ter que se debruçar para limitar a atuação livre e desimpedida das big techs”, disse.
Conforme previsto no projeto de lei, as plataformas serão obrigadas a armazenar registros de envios de mensagens encaminhadas em massa por um período de três meses. Essas informações só poderão ser acessadas mediante ordem judicial em casos de investigação penal envolvendo conteúdo ilegal.
Yasmin Curzi, uma pesquisadora da FGV Direito Rio, considera que o mecanismo de rastreabilidade presente no projeto de lei já está pautado no processo penal, portanto não vê a necessidade de atualização. A pesquisadora ainda destaca que o projeto inclui diversas obrigações de relatórios, bem como direitos e recursos para os usuários recorrerem das decisões das empresas. A intenção é reduzir a assimetria de informação e poder na relação entre as plataformas e os usuários.
Educação para evitar fake news
Maria Helena Weber, coordenadora do Observatório da Comunicação, argumenta que a disseminação de notícias falsas está diretamente relacionada ao fato de que muitas pessoas não compreendem o poder que a comunicação exerce. De acordo com ela, normalmente, as mensagens são compartilhadas por pessoas importantes na vida do indivíduo, que, em princípio, não mentiriam. Isso pode incluir amigos ou familiares.
Weber defende a implementação de um processo educativo que ajude as pessoas a entender melhor seu papel na disseminação de notícias, em vez de torná-las menos vulneráveis ao abuso digital.
Na visão da coordenadora, o maior desafio é descobrir como garantir que a realidade não seja distorcida e que a verdade seja o ponto central na divulgação de informações.
“Nós acompanhamos, seja no Brexit [saída do Reino Unido da União Europeia], seja com o [ex-presidente norte-americano Donald] Trump e principalmente no Brasil, com a eleição de [Jair] Bolsonaro, por exemplo, descobrimos o poder que tem essas plataformas e o poder da circulação de notícias no campo da política. Então, [é necessário] recuperar a força do que é verdadeiro e do que é real.”
O secretário de Políticas Digitais do governo federal, João Brant, afirmou que o maior desafio para regulamentar o setor é encontrar um equilíbrio entre direitos. É necessário preservar simultaneamente a liberdade de expressão, a privacidade, a proteção de dados dos usuários, além de impedir a disseminação de desinformação, discurso de ódio, violações de direitos de crianças e adolescentes, golpes e fraudes.
Audiências públicas
Jade Percassi, representante do Instituto Palavra Aberta, argumenta que a Educação Midiática é fundamental em tempos de revolução digital. No início deste mês, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou a formação de um grupo de trabalho em parceria com plataformas digitais e redes sociais para apresentar propostas ao Congresso Nacional. Além disso, o Poder Executivo também deve encaminhar sugestões.
“Somos nós os indivíduos que compartilhamos, que engajamos conteúdos bons ou ruins, que passamos para frente desinformação. Todos nós somos responsáveis por aquilo que a gente posta, por aquilo que a gente compartilha, por aquilo que a gente divide nesse ambiente”, conclui.
Durante dois dias desta semana, o STF realizou uma audiência pública para debater o Marco Civil da Internet. A convocação foi feita pelos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, que são os relatores de ações que discutem a responsabilidade dos provedores de aplicativos ou ferramentas da internet em relação aos discursos de ódio e fake news. A audiência contou com a participação de representantes da sociedade civil, operadores do direito e partes envolvidas no processo.