Mariana Sousa, uma hoteleira que atuou no Copacabana Palace por um período significativo, muitas vezes se deparou com uma pergunta recorrente: “Belmond Copacabana Palace, Mariana, bom dia, como posso ajudar?”. Durante esse tempo, essa frase se tornou um mantra para ela. Ela é uma das mentes por trás das histórias que deram forma ao hotel mais célebre do Brasil, que celebra seu centenário neste domingo (13).
Mariana desempenhava um papel no “guest service”, o serviço de hóspedes. Diariamente, ela recebia de 100 a 200 ligações. “A maioria delas era de pessoas querendo saber o preço de uma noite, porque o Copa está enraizado no imaginário das pessoas. É o ápice do luxo e sofisticação para os brasileiros. Quando você pensa no Copacabana Palace, pensa em opulência. Isso é algo que normalmente não faz parte da vida da maioria dos cariocas ou dos brasileiros em geral”, observa Mariana.
Situado à beira da icônica praia do Rio de Janeiro, o Copacabana Palace, com seus 239 quartos e suítes, e uma fachada imponente, é uma estrutura impossível de passar despercebida.
Para Mariana, estudante de hotelaria na Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhar no hotel representava a oportunidade de vivenciar experiências únicas. Sua jornada começou como estagiária e, mais tarde, foi efetivada. O telefone que a acompanhou incessantemente inspirou seu trabalho de conclusão de curso, que explorou o telefone e a história da hotelaria de luxo no Rio de Janeiro, publicado em forma de artigo na Revista Hospitalidade.
“A comunicação é o alicerce na hotelaria. É difícil, em qualquer empresa, alcançar uma comunicação perfeita de 100%. No entanto, a comunicação com o hóspede deve ser impecável, e a interação entre os funcionários deve ser precisa. É crucial anotar todos os detalhes possíveis, porque imagine esquecer ou registrar erroneamente o número do apartamento em um pedido de despertar. No dia seguinte, o hóspede poderia perder um voo crucial. E se esse voo fosse para uma reunião que poderia selar um contrato de milhões de dólares, e tudo isso se originasse do erro no registro do apartamento? Parece simples, mas as consequências podem ser astronômicas”, explica Mariana.
Desde sua inauguração em 13 de agosto de 1923, o Copacabana Palace foi um dos primeiros hotéis no Brasil a adotar um serviço de telefonia, que havia chegado ao país décadas antes, em 1877, por iniciativa do imperador D. Pedro II. No início, o setor de telefonia contava com um chefe, um intérprete, auxiliares e telefonistas noturnos. O artigo de Mariana destaca que isso refletia o reconhecimento da importância do setor de telefonia para o funcionamento do hotel mais luxuoso da cidade.
A partir de 2014, o cargo de telefonista foi abolido no hotel. Esse papel era desempenhado pela pessoa responsável por receber ligações e encaminhá-las aos departamentos apropriados. Agora, o hotel conta com o “guest service”, que centraliza o atendimento, evitando que os hóspedes precisem ligar para diferentes departamentos para resolver problemas semelhantes ou diversos.
“Era um ambiente frenético, porque o número do Copa, que eu nunca vou esquecer por algum motivo, também está no subconsciente de muitas pessoas. O telefone não parava de tocar, e você precisava priorizar sempre o hóspede”, relata Mariana.
Ela também compartilha que recebia muitos trotes. “Lembro-me de uma ocasião durante as Olimpíadas [em 2016], quando atendi uma ligação informando que havia uma bomba no hotel. Imagine só! Por sorte, já estávamos um pouco preparados, pois havíamos passado por treinamentos de segurança, e eu segui o procedimento adequado que me haviam ensinado. No entanto, foi uma situação muito tensa”, relembra.
Tratamento VIP
Ao longo de sua história, o Copacabana Palace foi o destino de reis, artistas, intelectuais e políticos notáveis, entre os quais se destacam a atriz de Hollywood Ava Gardner, a cantora Janis Joplin, a princesa Diana e o agora rei Charles, o vocalista dos Rolling Stones, Mick Jagger, o cineasta Orson Welles, o membro dos Beatles, Paul McCartney, Santos Dumont, e até os futuros reis do Reino Unido, Edward VIII e George VI.
Internamente, no âmbito do atendimento, os hóspedes eram categorizados por cores, indicando se eram celebridades, personalidades públicas, hóspedes frequentes, jornalistas, executivos ou membros da equipe do próprio hotel. Aqueles de maior destaque possuíam um documento denominado “show me you know me” (mostre que você me conhece, em tradução livre). Mariana explica: “Este documento era de uso interno e estava presente em certos setores. Ele continha a foto do hóspede VIP e informações especiais sobre a pessoa. Por exemplo, suas preferências por comida, alergias, ou suas preferências em relação a travesseiros”.
Atualmente, Mariana não trabalha mais no Copacabana Palace. Ela compartilha uma observação sobre a diferença entre os hotéis onde trabalhou: “Em um hotel de luxo, a palavra ‘não’ não existe. Fomos instruídos a evitar dizer ‘não’ aos clientes, e fazíamos o possível para atender aos pedidos dos hóspedes, independentemente do valor. Caso algo fosse realmente impossível, oferecíamos uma alternativa bastante similar.”
Deslumbre
O Copacabana Palace também desempenhou um papel significativo na trajetória da professora da Faculdade de Turismo e Hotelaria da UFF, Ana Paula Spolon, que orientou o trabalho de Mariana. No final da década de 1980, Ana Paula estava concluindo o curso de tradução em São Paulo quando decidiu passar as férias de verão na casa de uma prima, localizada no Rio de Janeiro. Foi durante essas férias que ela conseguiu uma vaga como intérprete em uma joalheria localizada no saguão do hotel.
“Assim que pisei no lobby no primeiro dia, tive um grande ‘uau’. Foi a primeira vez que senti isso em minha carreira profissional e pensei: ‘Eu quero isso aqui. Quero me envolver nisso, quero trabalhar aqui, quero seguir na área hoteleira, quero trabalhar neste lugar’. Era simplesmente o local certo”, relata Ana Paula. Impulsionada por essa experiência, Ana Paula decidiu fazer uma mudança de carreira e se dedicar profissionalmente ao setor hoteleiro.
Para Ana Paula, o que distingue o Copacabana Palace de outros hotéis de luxo é a sua tradição enraizada. “Não se espera grandes revoluções aqui; a tradição é o nosso foco. Agora, no contexto dos 100 anos, estão enfatizando exatamente isso, com a publicação de fotografias históricas dos últimos 100 anos. A tradição é o que mantém a essência. Isso é muito evidente na arquitetura; basta olhar para o horizonte da praia de Copacabana, onde o hotel é praticamente o único edifício antigo, o mais tradicional”, enfatiza.
Além de ter impressionado Mariana, Ana Paula destaca que o Copacabana Palace continua sendo um objeto de interesse constante entre seus alunos, muitos dos quais estagiaram ou trabalharam no estabelecimento. De fato, ela está liderando um estudo junto com eles sobre o hotel. Até o momento, as respostas obtidas na pesquisa com alunos e ex-alunos da Faculdade de Turismo e Hotelaria da UFF, que tiveram experiências como estagiários ou funcionários no Copa, indicam que metade dos participantes avalia sua experiência no hotel como boa, enquanto a outra metade a classifica como ótima.
“Eu acredito que o hotel por si só é uma atração. Muitas pessoas vão para lá com o intuito de desfrutar do próprio hotel e acabam não explorando a cidade. Em muitos casos, ele é visto pela sociedade, especialmente pelos cariocas, como um objetivo ou uma conquista. Durante o tempo em que trabalhei lá, eu recebia mensagens de pessoas que compartilhavam há quanto tempo estavam aguardando essa oportunidade de se hospedarem lá. O status de estar no hotel é muito poderoso; é um símbolo de prestígio”, afirma um dos participantes da pesquisa. Esse estudo está sendo conduzido pela Rede de Estudos em Hospitalidade, um grupo de pesquisa liderado por Ana Paula Spolon.
Hotéis de luxo
Além do Copacabana Palace, outros 55 hotéis de diferentes tamanhos fazem parte da lista de estabelecimentos de luxo afiliados à Brazilian Luxury Travel Association (Associação Brasileira de Viagens de Luxo). De acordo com Ana Paula, o que verdadeiramente caracteriza um hotel de luxo não é, contrariando o que se poderia imaginar, a tecnologia. Hotéis de luxo podem, inclusive, oferecer experiências que encorajem os hóspedes a se desconectarem. O elemento distintivo é, na realidade, o cuidado meticuloso.
“Trata-se de um cuidado extremo, uma dedicação impecável na prestação de serviços, um esforço diário constante que emana das pessoas, dos funcionários da indústria hoteleira de luxo. São indivíduos extremamente atentos aos detalhes, sempre prontos para proporcionar um serviço impecável.”
Apesar dos preços elevados, o mercado de luxo tem uma base sólida, de acordo com Ana Paula. “Surpreendentemente, existe uma demanda de mercado considerável. Há muitas pessoas dispostas a pagar o que for necessário para desfrutar de privacidade, exclusividade e tranquilidade, experimentando o que a classe média não tem acesso.” No caso do Copacabana Palace, as tarifas variam de R$ 2,2 mil a R$ 25 mil por noite.
O Copa
Além de seus quartos requintados, o Copacabana Palace oferece uma gama de comodidades exclusivas, incluindo 13 salões de eventos com capacidade para até 2 mil pessoas, uma piscina semiolímpica, um SPA, uma quadra de tênis e um centro fitness. Um destaque notável é que ele é o único hotel na América Latina com dois restaurantes galardoados com estrelas Michelin, o MEE e o Ristorante Hotel Cipriani, além do restaurante de cozinha internacional Pérgula.
O portal Brasiliana Fotográfica, da Fundação Biblioteca Nacional e Instituto Moreira Salles, reuniu imagens históricas do hotel e sintetizou sua trajetória. Conforme o portal, o Copacabana Palace, quando inaugurado, era o maior hotel da América Latina e simbolizava a modernidade da cidade.
A construção do hotel foi uma iniciativa do então presidente Epitácio Pessoa. Em 1919, ele solicitou aos empresários Octávio Guinle e Octávio Rocha Miranda que construíssem hotéis para acomodar os visitantes da Exposição do Centenário da Independência do Brasil. Essa exposição receberia líderes mundiais e personalidades ilustres. Pessoa almejava projetar o Brasil como um país de renome e respeito no cenário internacional da época.
O Copacabana Palace não foi concluído a tempo para a celebração do centenário em 1922, mas foi oficialmente inaugurado em 13 de agosto de 1923. Na ocasião, o presidente da República Artur Bernardes, acompanhado de outras autoridades, incluindo o prefeito do Rio de Janeiro, Alaor Prata, visitou o hotel.
O projeto do hotel foi concebido pelo arquiteto francês Joseph Gire, que também esteve envolvido em outras obras na cidade, como o Hotel Glória e o Edifício Joseph Gire, conhecido como Edifício A Noite. O edifício foi construído com materiais de qualidade, incluindo cimento alemão e mármore de Carrara, e foi adornado com vidros e lustres da Tchecoslováquia, móveis franceses, tapetes ingleses e cristais da Boêmia.
Em 1989, a família de Octávio Guinle vendeu o Copacabana Palace ao grupo Orient-Express, que posteriormente foi renomeado como Belmond. Hoje em dia, o hotel é de propriedade do grupo francês LVMH, que adquiriu a Belmond em dezembro de 2018. O Copa é reconhecido como patrimônio histórico, sendo tombado em nível federal, estadual e municipal.