Quando entra no palco e, acompanhando-se apenas por uma kalimba, Mônica Salmaso canta ‘Todos juntos’, abre-se a tal fenda no espaço-tempo que se abre sempre que a arte encontra a História. E o que se vê então não é apenas a grande cantora da atualidade, afinação e interpretação perfeitas, fazendo a canção clássica de ‘Os saltimbancos’, mas a menina de seis anos de idade sendo apresentada à obra de Chico Buarque pelo musical infantil que estreou em 1977.
E aprendendo a tal segunda lição do dia que o Jumento – o mais inteligente do bichos, apesar da fama – ensina na peça aos seus companheiros Cão, Galinha e Gata, de que suas patas não seriam nada sem os dentes do cachorro, o bico da galinha, as unhas da gata: “Todos juntos somos fortes/Somos flecha e somos arco/Todos nós no mesmo barco/Não há nada pra temer”, canta Mônica, emulando os bichos que, em ‘Os saltimbancos’, comemoram e tentam entender como conseguiram expulsar da casa seus donos opressores.
De título insinuante, o show ‘Que tal um samba?’ – o primeiro em que Chico Buarque divide o palco com uma cantora desde a célebre temporada com Maria Bethânia em 1975 – põe o público exatamente nessa situação de Mônica: a de redescobrir (ou mesmo descobrir, para os mais novos) o cancioneiro de Chico Buarque, sua estética e sua ética, através de uma antologia impecável e muitas vezes surpreendente de sua obra, com diálogos internos entre as canções, achados e clássicos, num arco que vai da marcha-rancho ‘Noite dos mascarados’ (1967) ao novíssimo samba salseado que dá título e conceito ao espetáculo. São 55 anos de sambas e canções, de “lutas contra o rei”, como no dueto ‘Sem fantasia’ (da peça ‘Roda viva’, 1968), à comemoração da volta ao samba e à democracia “Depois de tanta mutreta/Depois de tanta cascata/Depois de tanta derrota/Depois de tanta demência/E uma dor filha da puta” – de ‘Que tal um samba?’ (2022).
Quando a turnê de ‘Que tal um samba?’ começou em João Pessoa, na véspera daquele ainda temível sete de setembro de 2022, o início do show era assim: de arrepiar a pele, palpitar o coração, pôr a cabeça para rodar. É certo que isso era também causado pela tensão política, o inusitado do repertório, a beleza de ‘Todos Juntos’, mas muito principalmente pelo que ela aludia naquele momento: de que era preciso união, como a dos bichos de ‘Os Saltimbancos’, para superar os quatro, cinco, seis anos de terror que o Brasil vivia.
Com Chico no palco junto à Mônica, começam os duetos e os diálogos entre as canções, marca do roteiro do show. ‘O velho Francisco’ (1987), as recordações e fantasias confusas de um velho brasileiro, reencontra esse passado violento, confuso e ainda assim lírico na obra-prima ‘Sinhá’, parceria com João Bosco de 2011.
FICHA TÉCNICA / SHOW
Turnê ‘Que tal um samba?’ – Chico Buarque
Artista Convidada: Mônica Salmaso
Cenário: Daniela Thomas
Iluminação: Maneco Quinderé
Figurinos: Cao Albuquerque
Arranjos, guitarra e violão: Luiz Claudio Ramos
Piano: João Rebouças
Baixo acústico e elétrico: Jorge Helder
Bateria: Jurim Moreira
Percussão: Chico Batera
Teclados e vocais: Bia Paes Leme
Sopros: Marcelo Bernardes
PATROCÍNIO: ICATU
SERVIÇO – RIO DE JANEIRO
Local: VIVO RIO
Endereço: Av. Infante Dom Henrique, 85 – Parque do Flamengo
De 05 a 29 de janeiro (quinta a domingo) – INGRESSOS ESGOTADOS
Temporada de quatro semanas (16 apresentações)
Horários: Quintas, 21h30 / Sextas, 22h / Sábados, 21h / Domingos, 20h
Classificação etária: 18 anos. Menores entram acompanhados dos pais ou responsáveis legais.
Abertura dos portões: 2h antes do início do espetáculo
ROTEIRO DA TURNÊ 2023
RIO DE JANEIRO – Vivo Rio
05 a 29 de janeiro (de quinta a domingo)
SÃO PAULO – Tokio Marine Hall
De 02 a 12 de março; de 23 de março a 02 de abril (quinta a domingo)
SALVADOR – Concha Acústica
Dias 28, 29 e 30 de abril (sexta a domingo)
PORTO (Portugal) – Pavilhão Rosa Mota
Dias 26 e 27 de maio
LISBOA (Portugal) – Campo Pequeno
Dias 1, 2 e 3 de junho