A colaboração entre o conhecimento científico ocidental e a sabedoria ancestral dos povos indígenas é essencial para enfrentar a crise ambiental e climática global. Esta é a principal mensagem de um artigo inédito publicado na revista Science, uma das mais prestigiadas do mundo, assinado por cientistas indígenas dos povos Tuyuka, Tukano, Bará, Baniwa e Sateré-Mawé, em parceria com pesquisadores não indígenas ligados ao Brazil LAB da Universidade de Princeton e a instituições brasileiras, como a UFSC e a Ufam.
Os autores enfatizam a necessidade de uma ciência mais holística e integrativa, capaz de reconhecer a contribuição milenar dos povos indígenas na conservação dos ecossistemas. Justino Sarmento Rezende, cientista indígena da Ufam e um dos coautores do estudo, explica que a visão dos povos originários vai além da separação entre cultura e natureza: “Enquanto os humanos não entenderem que outros seres, como plantas, rios e animais, têm agência e importância, o desequilíbrio ambiental persistirá.”
Ciência ancestral e sabedoria prática
O artigo evidencia o conhecimento ecológico indígena, que há milhares de anos observa e experimenta o mundo natural. No Alto Rio Negro, região de grande diversidade étnica, o universo é dividido em três domínios – terrestre, aéreo e aquático –, todos habitados por humanos, plantas, animais e seres encantados. Para acessar recursos naturais, é necessário seguir rituais e negociar com esses outros seres, mantendo o equilíbrio da “rede cosmopolítica”.
Essa perspectiva, segundo o estudo, captura nuances das relações ecológicas muitas vezes ignoradas pela ciência tradicional. A pesquisadora Carolina Levis, da UFSC, defende que unir as ciências indígena e ocidental amplia o potencial de conservação: “Não existe uma única saída. Precisamos de múltiplas ciências para enfrentar a emergência climática e a crise de biodiversidade que vivemos.”
Conhecimento empírico e tomada de decisão
O artigo também destaca práticas indígenas específicas que contribuem para a conservação, como a influência dos movimentos das constelações e dos ciclos naturais na produção de alimentos e rituais sazonais. “Os povos indígenas são astrônomos há milênios, entendendo como os movimentos celestes impactam a floração das árvores, o amadurecimento das frutas e os ciclos da Terra”, explica Rezende.
A inclusão respeitosa de líderes e especialistas indígenas nos processos científicos e nas decisões políticas é um dos principais caminhos apontados pelos pesquisadores. Para Levis, essa integração requer “reconhecer a forma como os indígenas produzem conhecimento e manejam, com sabedoria, a Terra há milhares de anos”.
O estudo, além de um marco para a presença indígena na ciência global, ressalta a importância do diálogo entre saberes como instrumento fundamental para a construção de um futuro sustentável para a Amazônia e para o planeta.