A Praia de Copacabana mais uma vez foi o cenário de uma grandiosa manifestação pela liberdade religiosa, marcando a 16ª edição de um evento que já faz parte do calendário da cidade. Todo terceiro domingo de setembro, praticantes de diversas crenças se reúnem para promover a paz e denunciar casos de intolerância religiosa e racismo.
A Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa é organizada anualmente por duas entidades. O Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), ativo desde 1989 na promoção da cultura negra como uma forma de combater o racismo e a intolerância religiosa, é uma delas. A outra é a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR), criada em 2008 inicialmente por praticantes de umbanda e candomblé, mas que agora conta com representantes de diversas crenças.
Os participantes começaram a se reunir às 10h no Posto 5 de Copacabana e, por volta das 13h, deram início à caminhada ao longo da orla. Este ano, a manifestação também marcou o triste aniversário de um mês do assassinato da líder quilombola Mãe Bernadete. Aos 72 anos, ela foi vítima de tiros dentro da associação do Quilombo Pitanga dos Palmares, localizado no município de Simões Filho, na Bahia.
“Essa caminhada é em memória a ela e à luta que ela empreendeu na defesa dos nossos povos”, disse o babalawô Ivanir dos Santos, interlocutor da CCIR. Ele explica que não se trata de um ato religioso.
“É uma caminhada de religiosos e não-religiosos na defesa de uma agenda civil que é o Estado Democrático de Direito, as liberdades, a democracia, a diversidade e mais ainda os direitos humanos. Então isso é o que nós estamos celebrando todo ano. Infelizmente, cada vez mais cresce na sociedade a intolerância, a misoginia, a homofobia, o racismo”, diz Santos.
Apesar da presença de praticantes de diferentes denominações cristãs, a maioria esmagadora dos participantes pertencia a religiões de matriz africana. No carro de som, a programação refletia a diversidade, com apresentações de grupos culturais umbandistas, candomblecistas, católicos, evangélicos e outros. Ivanir dos Santos enfatiza que essa é uma causa que deve envolver toda a sociedade.
“Continuamos fazendo um trabalho de diversidade. Essa é uma luta em benefício de todos. Quando o obscurantismo cresce, ele ameaça as liberdades: a liberdade de imprensa, a liberdade política e a liberdade de pensamento. Então, lutar contra a intolerância não é só uma tarefa das religiões de matriz africana, mas de toda a sociedade. Afinal de contas, a intolerância é um ataque à Constituição Brasileira”.
O sacerdote Luiz Coelho, da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, pediu maior mobilização dos cristãos. “O Brasil é um país plural que tem vários povos, várias culturas e também tem várias religiões. Principalmente para nós, que somos pessoas cristãs e que formamos a maioria da população brasileira, é muito importante endossar que não há espaço para violência, não há espaço para a intolerância religiosa”.
Coelho enfatizou que os diferentes credos podem trabalhar juntos pela paz, pela harmonia dos povos, pelo fim da violência e por uma cultura de vida. “Devemos apoiar principalmente a religiões de matriz africana e ao xamanismo, que já sofreram tantas perseguições e ainda hoje são vítimas de preconceito”, acrescentou.
Caravanas de outros estados, como São Paulo e Minas Gerais, contribuíram para engrossar o número de manifestantes. Pai Denisson D’Angelis, sacerdote de umbanda do Instituto CEU Estrela Guia, saiu de São Paulo para estar presente na caminhada. Ele cobrou uma política de Estado em favor da liberdade religiosa.
“Precisamos estar de mãos dadas contra todo tipo de vilipêndio, de agressão, como foi o caso da mãe Bernardete. Temos uma luta muito grande pela liberdade do povo de matriz africana, dos ameríndios e atos como esse vêm reforçar a necessidade de sermos respeitados”.
Presente na caminhada, Felipe Avelar, diretor jurídico da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), enfatizou que a entidade vem acompanhando os casos para ter uma postura ativa no encaminhamento tanto em âmbito criminal como em âmbito administrativo junto às autoridades competentes. “A liberdade religiosa é um direito fundamental”, pontuou.
Minorias
O ato contou com a presença de representantes de credos que tem menos expressão no país, ainda que diversos deles tenham longa tradição. O monge Gyouun Vieira observou que o budismo desembarcou no Brasil em 1908 junto com a imigração japonesa.
“Um dos principais motivos que geram a intolerância é a falta de informação e de conhecimento. Eventos como esse fazem com que a gente possa conhecer mais as religiões. É possível encontrar líderes religiosos que não temos a oportunidade de encontrar no dia a dia”, avaliou.
Entre outros grupos presentes estavam a Associação Ahmadia do Islã no Brasil e a União Wicca do Brasil. O presidente da União Cigana do Brasil, Marcelo Vacite, lembrou que o estado é laico e que todos têm direito de cultuar a sua religião. “Não podemos incentivar o fanatismo religioso, porque ele mata, ele destrói, ele fere”, afirmou.