Materiais como chicote, chibata e coleira de cachorro, ao longo de diferentes períodos, foram instrumentos de violência contra corpos negros, desde os séculos 16 a 19 durante a escravidão, passando pela revolta de marinheiros em 1910, até o recente caso do entregador agredido na zona sul do Rio. Max Ângelo dos Santos, vítima de uma agressão com uma coleira de cachorro por uma mulher branca em 2023, terá a oportunidade de destacar a conexão histórica desses eventos ao desfilar no Carnaval do Rio pela escola de samba Paraíso do Tuiuti, representando o almirante negro João Cândido, líder da Revolta da Chibata.
Max participou pela primeira vez do ensaio técnico da escola no último domingo (21) e aguarda com expectativa o desfile na Sapucaí, marcado para a segunda-feira de Carnaval.
“Esse convite foi uma surpresa imensa. Eu nunca desfilei antes por escola nenhuma. Fui conhecer o barracão do Tuiuti e lá eles me contaram a história do João Cândido. E eu fiquei super feliz de saber que ia representar um herói nacional, que ainda não tem muito reconhecimento”, disse Max Ângelo à Agência Brasil. “Só quem passa por esse tipo de violência sabe como é. Tem a dor física, mas a dor mental é muito pior. Acho que tem tudo a ver a história do João Cândido com outras histórias atuais e a minha. E o enredo fala muito disso”.
O samba-enredo oficial da Tuiuti é intitulado “Glória ao Almirante Negro!” e está sendo desenvolvido pelo carnavalesco Jack Vasconcelos. Destaca a vida de João Cândido, marinheiro brasileiro que, em 1910, liderou a luta contra açoites, maus-tratos e má alimentação na Marinha, evidenciando a incompletude da abolição em 1888, como expresso em uma carta dos revoltosos ao presidente da República.
“Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos, não podendo mais suportar a escravidão na Marinha Brasileira, a falta de proteção que a Pátria nos dá e até então não nos chegou; rompemos o negro véu, que nos cobria aos olhos do patriótico e enganado povo”.
Trechos do samba reforçam a ideia de liberdade incompleta para a população negra, ecoando questões que persistem no século 21, conforme relato de Max Ângelo: “Imagina tomar uma chicotada como se tivesse voltado lá atrás na época dos ancestrais, quando você era açoitado apenas por olhar para o senhor da fazenda. E, um ano depois, eu ainda sinto aquilo e não desejo para ninguém. É a pior coisa do mundo. É mais fácil levar um soco no rosto do que ser açoitado como se você fosse um escravo”.
Após o fim da Revolta da Chibata em 1910, muitos revoltosos foram dispensados da Marinha, outros presos em protestos posteriores e alguns enviados para campos de trabalho em plantações. Coletivamente, conseguiram demonstrar força, união e legar aos futuros marinheiros um ambiente livre de castigos corporais.
Max Ângelo, após as agressões em 2023, recebeu apoio financeiro por meio de arrecadação coletiva, além do suporte de artistas famosos, e conseguiu um novo emprego como auxiliar administrativo em uma empresa de publicidade. Aos 38 anos, enquanto busca uma vida melhor, tornou-se uma voz relevante contra o racismo e diversas formas de violência que afetam a população negra no Brasil.
“Eu, dentro da avenida, quero dar voz, quero que as pessoas saibam que elas não estão sozinhas. Quero incentivar as que passam por situações parecidas com as que aconteceram comigo e dizer que a gente não tem que baixar a cabeça”, afirma Max. “O Brasil nunca vai ter um futuro melhor se continuar com essas situações de agressão e racismo. É muito triste as pessoas te humilharem por conta da sua pele ou por causa do lugar que você mora. Eu tenho muito orgulho de morar na favela e da minha pele preta”.