Segundo o estudo do Observatório de Atenção Primária da Umane, baseado no último levantamento do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, mais da metade das mortes por câncer no Brasil (55%) acontece entre pessoas de baixa escolaridade e renda. A Umane é uma organização sem fins lucrativos dedicada à articulação de iniciativas para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde.
Dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade apontam que, em 2020, entre as 229.300 pessoas que faleceram em decorrência de tumores (benignos ou malignos) no Brasil, 55% (126.555 pessoas) tinham até 7 anos de estudo. Aqueles com entre 8 e 11 anos de escolaridade representam 20% das mortes e 9,2% das vítimas tinham 12 anos ou mais de estudo. Esses dados destacam a relação entre a menor escolaridade e renda com o aumento da mortalidade por câncer.
Segundo dados, 52% das mortes por tumores (benignos ou malignos) ocorrem em homens e 48% em mulheres. Além disso, 59,2% das vítimas têm mais de 65 anos.
Rafaela Alves Pacheco, diretora de Comunicação da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade e médica sanitarista e professora da Universidade Federal de Pernambuco, afirma que uma melhoria na qualidade de vida pode prevenir uma parte dessas mortes.
“Os cânceres são múltiplos, mas têm uma relação muito próxima com a qualidade de vida, a organização das cidades, a preservação dos biomas, a alimentação, as condições emocionais, de trabalho e de acesso aos direitos humanos, assim como com a educação, o transporte, a qualidade de vida e os acessos à saúde. Todas essas perspectivas vão nos aproximar ou distanciar de um cuidado efetivo em relação aos cânceres de um modo geral”, diz Rafaela.
A especialista acredita que o fortalecimento da atenção primária à saúde e da medicina de família e comunidade podem melhorar a situação. “É preciso garantir o cuidado integral em saúde, a prevenção, a promoção e o acesso [a tratamentos] em qualquer situação do câncer. Então, é garantir o fortalecimento dos sistemas de saúde”, recomenda.
A médica destaca que o câncer não seleciona pessoas com base na classe social, mas as populações de baixa renda sofrem mais com as suas consequências.“Em relação ao câncer, todas as classes sociais são atingidas, mas existem os rincões de pobreza e miséria. Então, é bastante diferente para quem é mais pobre e não tem acesso e, por conseguinte, acabam tendo maior incidência de cânceres, de um modo geral.”
A opinião da especialista é que a solução para esse problema é a implementação de ações de equidade em saúde. “Precisa dar mais para quem precisa mais. Se temos populações que são mais vulneráveis aos cânceres, estas precisarão ter aporte de recursos e de providências sanitárias e sociais diferenciados. Nesse sentido, fortalecer o sistema universal de saúde é fortalecer a atenção primária, com as equipes de estratégia de saúde da família que estão mais próximas de onde as pessoas moram e trabalham.”
Promoção à saúde
De acordo com a sanitarista, é necessário assegurar que essa população tenha uma maior oferta de promoção à saúde e fácil acesso aos serviços de atenção primária em saúde. “Na perspectiva da prevenção de saúde, precisamos ter protocolos estruturados, linhas de cuidado que farão a detecção precoce, o rastreamento baseado em evidências e protocolos clínicos, quando realmente são necessários e podem diminuir tanto a morbidade quanto a mortalidade, inclusive garantindo cuidados paliativos, garantindo que o paciente consiga ter uma sobrevida e uma qualidade de vida diante do que é possível.”
Rafaela ressalta que nem todas essas questões são responsabilidade da atenção primária à saúde. “Estão em outros níveis de atenção, mas podem e devem estar de forma conectada com a atenção primária à saúde, com o melhor para cada uma dessas situações.”
De acordo com a médica, existem políticas públicas para melhorar o acesso da população de baixa escolaridade à informação, mas a complexidade desses problemas requer ações intersetoriais.“O problema é sanitário, mas também é ambiental e social. Então nós vamos precisar de muitas mãos, e de muitos setores da sociedade civil organizada e das políticas públicas que estejam atuando conjuntamente”.
A médica aponta uma série de fatores precisam ser considerados além dos cuidados em educação e saúde.“O próprio sistema educacional brasileiro pode e deve ajudar, sobretudo com as crianças, adolescentes e adultos jovens, garantindo esse conhecimento, esse automonitoramento, a melhora da própria escolaridade, o que vai fazer também com que o acesso à própria educação e à saúde aconteça de forma mais partilhada e impactante. A garantia da alimentação saudável, de atividade físicas, do combate ao tabagismo, da melhora dos índices ponderais, na perspectiva da obesidade”, exemplifica Rafaela.
Para Rafaela, a luta contra o câncer também envolve o controle da alimentação, incluindo a redução do uso de agrotóxicos e aditivos químicos, bem como a mitigação da poluição do ar, água e florestas. “Com o respeito aos nossos biomas, a garantia de políticas públicas indutoras de acesso à alimentação saudável, à comida de verdade, que não seja repleta de ultraprocessados, para que haja melhora metabólica e de bem-estar. Precisamos diminuir o sal na alimentação, de um modo geral. Não é só o saleiro da pessoa, precisa ter um regramento que garanta que as opções disponíveis sejam de fato compatíveis com a saúde de boa parte da população.”
A médica destaca que o elevado número de hipertensos e diabéticos no Brasil contribui para o surgimento de cânceres e outros problemas de saúde. “A alimentação melhorando, torna-se menos inflamatória e menos cancerígena”, destaca.
Papel dos agentes
Segundo o Dr. Gilberto Amorim, especialista em Oncologia D’Or no Rio de Janeiro, muitos dos elementos que contribuem para o risco de diversos tipos de câncer podem ser modificados ou minimizados. Para alcançar esse objetivo, ele destaca a importância do papel dos profissionais de saúde.
“A população com baixa escolaridade precisa conhecer mais esses fatores de risco e, aí, o alcance dos agentes de saúde é maior do que de qualquer outro profissional da área. Por exemplo, a obesidade é um fator de risco para vários tipos de doença. Por isso, é fundamental que o agente de saúde alerte aquela pessoa sobre os riscos para o diabetes e doenças vasculares e também para vários cânceres”, diz o oncologista.
O Dr. Gilberto Amorim, do Oncologia D’Or do Rio de Janeiro, destaca a importância do agente de saúde na prevenção do câncer. Ele afirma que muitos dos fatores de risco podem ser modificados ou reduzidos através do trabalho dos agentes de saúde. Eles possuem uma comunicação acessível para a população mais desfavorecida, com uma linguagem clara e compreensível, e possuem capacidade de atingir amplamente todo o Brasil. “Eles podem falar de muitas coisas e contribuir para reduzir o risco de determinados tipos de câncer.”
De acordo com o médico, a prevenção dos tipos mais comuns de câncer em adultos é geralmente baseada no controle dos principais fatores de risco, como o fumo, o consumo excessivo de álcool, uma alimentação inadequada e a obesidade.