A invasão do palácio presidencial em La Paz por tanques e soldados do Exército boliviano nesta quarta-feira (26) remeteu às sombrias décadas de 1960 e 1970, quando ditaduras militares se espalharam pela América do Sul. Contudo, segundo especialistas em Relações Internacionais ouvidos pela Agência Brasil, o episódio reflete um ato isolado e mal calculado, fruto de uma crise econômica e política interna.
Ato Isolado
Para muitos analistas, a ação liderada pelo general Juan José Zúñiga não passou de um movimento isolado, sem apoio significativo de forças sociais ou militares. “O general cometeu um erro de cálculo político ao ameaçar Evo Morales, esperando respaldo que não veio. Sua tentativa de golpe foi improvisada e sem apoio de outras lideranças das Forças Armadas ou grupos sociais”, explicou Maurício Santoro, cientista político e professor de Relações Internacionais.
Arthur Murta, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, destacou a falta de apoio à tentativa de golpe, mesmo entre os opositores de Morales. “Setores da oposição se colocaram contra o golpe, mostrando que o movimento foi mais uma tentativa isolada de demonstração de poder do que uma real vontade de impor um novo governo.”
Crise Econômica e Disputas Políticas
A difícil situação econômica da Bolívia também é apontada como um fator determinante para a instabilidade atual. “A Bolívia enfrenta uma crise econômica grave, com o setor de gás natural em declínio e reservas internacionais muito baixas. Isso afeta a capacidade do país de importar produtos essenciais”, disse Santoro.
O professor Nildo Ouriques, da UFSC, ressaltou as disputas em torno dos recursos naturais do país. “Os conflitos entre o Estado e forças sociais, nacionais e multinacionais pelo controle dos recursos econômicos geram tensões constantes.”
As disputas políticas também agravam a situação, especialmente com as eleições presidenciais se aproximando. “As tensões aumentam com a possibilidade de Evo Morales se candidatar novamente, reacendendo feridas da crise política de 2019”, observou Santoro.
Contexto Regional
Os especialistas destacam que a tentativa de golpe na Bolívia se insere em um contexto mais amplo de crise democrática na América Latina. “Há uma crise mais ampla da democracia na região, com tentativas de golpe na Guatemala e no Brasil nos últimos anos. A democracia está resistindo, mas as crises são preocupantes”, afirmou Santoro.
Apesar dos desafios, a resposta internacional em defesa da democracia boliviana foi forte. “Todos os países da América do Sul se manifestaram a favor da democracia, e a Organização dos Estados Americanos respondeu de modo rápido e contundente”, acrescentou Santoro, destacando a importância da solidariedade regional.
Essa análise destaca os fatores complexos e interconectados que levaram à recente tentativa de golpe na Bolívia, sublinhando a importância de compreender tanto as dinâmicas internas quanto o contexto regional mais amplo.