Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) investigaram a possibilidade de reativação do vírus zika após a recuperação inicial, sugerindo que novos sintomas neurológicos, como convulsões, podem surgir. Este estudo inédito foi publicado no jornal científico iScience, do grupo Cell Press.
Ao longo de quatro anos, cerca de 200 camundongos que haviam se recuperado do vírus zika foram estudados. O projeto foi liderado pelas cientistas Julia Clarke, do Instituto de Ciências Biomédicas, e Claudia Figueiredo, da Faculdade de Farmácia, ambas da UFRJ.
Os pesquisadores descobriram que, em condições de imunidade reduzida, como durante períodos de estresse, uso de medicamentos imunossupressores ou infecções por outros vírus, o zika pode voltar a se replicar no cérebro e em outros locais anteriormente livres do vírus, como os testículos.
“Alguns vírus podem ‘adormecer’ em certos tecidos do corpo e ‘acordar’ para se replicar novamente, criando novas partículas infecciosas. Isso pode resultar em novos episódios de sintomas, como é observado com os vírus da herpes e da varicela-zoster”, explica Clarke.
A replicação tardia do zika está associada à produção de espécies secundárias de RNA viral, que são resistentes à degradação e se acumulam nos tecidos. “Observamos que, ao voltar a se replicar no cérebro, o vírus gera substâncias intermediárias de RNA, aumentando a predisposição dos animais a convulsões, um sintoma da fase aguda”, acrescenta Clarke.
O estudo utilizou testes de PCR, microscopia confocal, imunohistoquímica e análises comportamentais em modelos animais para demonstrar que o zika pode permanecer no corpo por longos períodos após a fase aguda. Em humanos, o material genético do vírus já foi encontrado em locais como placenta, sêmen e cérebro, mesmo meses após o desaparecimento dos sintomas.
Os resultados mostram que a amplificação do RNA viral e a produção de material genético resistente à degradação agravam os sintomas neurológicos, especialmente nos machos. Embora a reativação tardia do vírus em humanos ainda não tenha sido investigada, os dados sugerem que pacientes expostos ao vírus precocemente devem ser monitorados a longo prazo, pois novos sintomas podem surgir. Clarke ressalta a importância de aprofundar a pesquisa sobre as calcificações cerebrais causadas pelo vírus.
“Nosso objetivo é caracterizar se as áreas de calcificação no cérebro, tanto de animais quanto de humanos, são onde o vírus permanece adormecido. Também pretendemos testar um medicamento que reduz significativamente o tamanho dessas áreas de calcificação para avaliar se consegue prevenir a reativação do vírus”, explica Clarke.
A pesquisa, que destaca a capacidade do vírus zika de persistir e reativar, tem grandes implicações para a saúde pública. O trabalho contou com a colaboração do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes e do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis, ambos da UFRJ, e recebeu cerca de R$ 1 milhão da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).