O incidente envolvendo Nilton Ramon de Oliveira, um entregador baleado por um cliente policial militar no Rio de Janeiro, não é apenas um evento isolado. Segundo Leonardo Dias Alves, mestre em política social e professor da Universidade de Brasília (UnB), esse caso reflete dimensões estruturais profundas que remontam ao período escravista no Brasil.
Embora a escravidão tenha sido abolida há mais de 135 anos, algumas dinâmicas sociais e laborais daquela época ainda persistem no presente, argumenta o professor. A exploração da força de trabalho escravizada era baseada no controle e na violência, e mesmo após a abolição, a violência continuou a ser uma ferramenta central, especialmente contra a população negra.
Leonardo destaca que os trabalhadores negros foram marginalizados na sociedade, relegados a espaços de trabalho racialmente discriminados, muitas vezes ocupando empregos mal remunerados e subvalorizados. A maioria dos entregadores, por exemplo, é composta por pessoas negras, que enfrentam jornadas exaustivas e correm o risco de violência em seu ambiente de trabalho.
Para o pesquisador, o racismo estrutural subjacente a esses incidentes precisa ser reconhecido e confrontado. Ele argumenta que é necessário um esforço coletivo para promover relações de trabalho justas e antirracistas, mas também exige ação imediata das empresas que empregam esses trabalhadores, como o iFood.
Leonardo questiona se as plataformas digitais têm interesse genuíno em garantir a segurança e o bem-estar dos trabalhadores, ou se sua prioridade é apenas o lucro. Ele destaca a importância de políticas antirracistas e de medidas concretas para proteger os entregadores contra a violência e a discriminação.
Dados revelam que o Rio de Janeiro é uma das áreas mais críticas em termos de incidentes de violência contra entregadores, o que levou o iFood a estabelecer uma central de atendimento dedicada a lidar com esses casos na cidade. No entanto, ainda há muito a ser feito para combater a normalização da violência e garantir a segurança e os direitos dos trabalhadores.
O Ministério Público do Trabalho destaca que as empresas têm a responsabilidade de garantir um ambiente de trabalho seguro e livre de discriminação para todos os trabalhadores, independentemente de sua natureza jurídica. Isso inclui a implementação de medidas de proteção e o cumprimento dos direitos trabalhistas e sociais, mesmo em meio a questionamentos sobre os vínculos de emprego com as plataformas digitais.