Sob um céu estrelado que apenas áreas afastadas das luzes urbanas podem proporcionar, inicia-se “A Flor do Buriti”, com o som rítmico de um maracá e cantos na língua krahô. O filme, premiado no prestigiado Festival de Cannes, estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (4), trazendo à tona a rica cultura e a resiliência da comunidade indígena Krahô, do norte de Tocantins.
Renée Nader Messora, codiretora do filme, reflete sobre o poder transformador do maracá: “Quando o Hyjnõ sacode aquele maracá, como diz o antropólogo Viveiros de Castro, é um acelerador de partículas. Eu acho que a partir disso abrem-se muitas possibilidades”. Essa visão compara o xamanismo indígena à ciência ocidental, destacando a profundidade cultural dos Krahô.
A exibição do filme no Cinema Claude Debussy, durante o Festival de Cannes, foi um marco significativo. O elenco, composto principalmente por atores indígenas, recebeu aclamação em um dos mais importantes festivais de cinema do mundo. “Você tem um cinema como Debussy, cheio de gente, e aí no palco você tem membros de uma comunidade indígena do norte do Brasil falando a sua própria língua, falada por 4 mil habitantes”, descreve Renée.
Filmado ao longo de 15 meses, “A Flor do Buriti” é um produto do trabalho de formação audiovisual que os diretores João Salaviza e Renée Nader Messora desenvolveram com a comunidade Krahô. Esse processo educativo resultou anteriormente no aclamado “Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos”, de 2018.
O novo filme retrata dois momentos históricos cruciais para os Krahô: um massacre ocorrido em 1940 e o recrutamento de jovens em 1969 para uma milícia indígena durante a ditadura militar. Essas memórias contextualizam as lutas contemporâneas dos Krahô, que buscam representatividade política e a defesa de suas terras contra invasores.
“O ponto de partida, a chispa inicial, foi essa vontade que a gente tinha de trazer a história do massacre”, revela Renée. Durante a produção, as batalhas cotidianas da comunidade Krahô foram integradas à narrativa do filme, enriquecendo seu conteúdo.
Com uma equipe de roteiro que inclui indígenas, o filme mescla diferentes perspectivas e formas de contar histórias. “O filme tenta abrir isso [outras maneiras de contar histórias], não tem mais um protagonista único, são vários protagonistas. E tem essa maneira de contar onde as temporalidades vão se misturando, vão tentando criar uma nova forma”, explica Renée, ressaltando a imersão cultural na comunidade Krahô.
“A Flor do Buriti” oferece uma visão única e rica sobre a cultura Krahô, trazendo à tona a complexidade e a beleza das narrativas indígenas, e convida o público a apreciar a pluralidade de pontos de vista, muitas vezes desconhecida.