Uma história, quando contada em diferentes formas, ganha novas dimensões. Nos livros, ela se desenrola em detalhes minuciosos, cativando os olhos e a mente. No samba-enredo, a história vem em ritmo acelerado, com frases rimadas que movimentam todo o corpo. Essa experiência sensorial e intelectual promete tomar conta da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, neste Carnaval, com pelo menos cinco escolas buscando inspiração na literatura para seus desfiles.
O aclamado escritor Alberto Mussa está entre os autores privilegiados, com uma de suas obras servindo de base para o enredo de uma das escolas. Apaixonado pelo Carnaval desde a infância, Mussa cresceu em uma família com fortes laços com as escolas de samba cariocas.
Seu tio, conhecido como Didi, foi compositor da União da Ilha e do Salgueiro, deixando um legado de sambas memoráveis. Embora tenha torcido para essas agremiações desde pequeno, em 2024 ele acrescenta uma terceira torcida para a Grande Rio, de Duque de Caxias, que escolheu seu livro “Meu destino é ser onça”, lançado em 2009, como inspiração para o samba-enredo.
Mussa expressa sua felicidade: “É talvez o maior prêmio da minha carreira de escritor. Algumas obras literárias viraram enredos e deram origem a sambas antológicos. Como Macunaíma, Os Sertões, A invenção de Orfeu. Estar dentro desse rol é um orgulho enorme”.
O enredo da Grande Rio parte dos registros da cultura tupinambá do século XVI, apresentados no livro de Mussa, para criar uma narrativa que abrange diversas culturas originárias da América do Sul. Mussa elogia a adaptação, destacando a inteligência dos carnavalescos em ampliar a visão do livro.
A presença marcante de enredos baseados em obras literárias neste Carnaval reforça o papel das escolas de samba como agentes de discussões sociais relevantes. O Carnaval é mais que folia; é também espaço de conhecimento e reflexão.
Além da Grande Rio, outras escolas encontraram inspiração na literatura. A Portela, por exemplo, baseia seu enredo no livro “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves, que narra a saga de uma mulher negra escravizada.
O Salgueiro, por sua vez, busca inspiração no livro “A queda do céu”, de Davi Kopenawa e Bruce Alberts, para exaltar a mitologia yanomami e defender a Amazônia.
A Porto da Pedra traz para a Avenida o enredo “Lunário Perpétuo: A Profética do Saber Popular”, inspirado no almanaque medieval que influenciou diversas áreas no Brasil.
E a Imperatriz Leopoldinense apresentará o enredo “Com a sorte virada pra lua segundo o testamento da cigana Esmeralda”, baseado em um cordel escrito há mais de 100 anos.
Neste Carnaval, as histórias ganham vida não só nos livros, mas também nos desfiles das escolas de samba, prometendo emocionar e provocar reflexões sobre a diversidade cultural brasileira.