Com o objetivo de ampliar o acesso ao atendimento em saúde no país, especialmente nas regiões de extrema pobreza e vazios assistenciais, o programa Mais Médicos anunciou esta semana a abertura de 6 mil vagas em seu primeiro edital, com novos incentivos para atrair profissionais brasileiros. De acordo com especialistas, o programa é uma alternativa importante para garantir o acesso à saúde para populações pobres e de áreas remotas. No entanto, entidades médicas criticam a possível contratação de profissionais brasileiros formados no exterior e de estrangeiros sem a revalidação de diplomas.
Até o final deste ano, o programa abrirá um total de 16 mil vagas para profissionais que atuarão na atenção primária em milhares de cidades brasileiras. Das 16 mil vagas, 6 mil serão financiadas pelo governo e as outras 10 mil serão custeadas pelos municípios. Essa iniciativa viabilizará as contratações e garantirá menor custo às prefeituras, além de proporcionar maior agilidade na reposição do profissional e permanência nessas localidades.
Para incentivar a permanência do profissional em pequenos municípios, o programa oferecerá um incentivo de fixação que poderá chegar a R$ 120 mil para o médico que ficar por quatro anos em áreas vulneráveis. Essa medida é fundamental para que esses locais possam contar com profissionais qualificados e garantir a continuidade dos serviços de saúde.
De acordo com Deivisson Vianna, um dos vice-presidentes da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), sistemas de saúde em todo o mundo têm políticas para garantir a presença de médicos em áreas remotas. Portanto, o programa Mais Médicos é um importante passo para reduzir a desigualdade na saúde brasileira e melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem em áreas mais afastadas dos grandes centros urbanos.
“Se existem rincões que não contam com atendimento médico, todos os sistemas nacionais de saúde do mundo que se prezem têm políticas de garantir o provimento de vagas nessas regiões. Países como Canadá e Inglaterra também têm política de incentivo para médicos estrangeiros para garantir atenção à saúde, caso o médico local não queira ir. Porque é isso [garantir atenção à saúde] que importa”, disse.
“Se houver lugares que os brasileiros não queiram ir, qual o problema de a gente estimular a ida de médicos com diploma feito fora do país, mas com a supervisão dos profissionais supervisores do Mais Médicos? Tem isso que pouca gente sabe: o programa tem toda uma rede de apoio das universidades. O profissional não fica solto.”
Segundo o edital divulgado, o programa Mais Médicos permite a participação de profissionais brasileiros e intercambistas, bem como brasileiros formados no exterior ou estrangeiros que possuam Registro do Ministério da Saúde (RMS). No entanto, a preferência na seleção será dada aos médicos brasileiros formados no país.
“[Nessa edição do programa] não foi necessário fazer acordo com Cuba, por exemplo. O número de médicos estrangeiros vai ser menor. Neste relançamento, ficamos contentes porque se ampliou o tempo do programa e dá bastante benefícios para o médico se fixar em locais de difícil provimento”, avaliou Vianna.
No novo formato do programa Mais Médicos, o período de participação passa a ser de quatro anos, com possibilidade de prorrogação por mais quatro anos, durante os quais o médico poderá realizar especialização e mestrado. O valor da bolsa oferecida é de R$ 12,8 mil, acrescido de auxílio-moradia. Os profissionais brasileiros e estrangeiros formados no exterior que se inscreverem no programa terão direito a um desconto de 50% na taxa de inscrição do Revalida, prova de revalidação do diploma realizada pelo Ministério da Educação, cujo valor na última edição foi de R$ 410.
Conforme dados do Ministério da Saúde, 41% dos participantes do programa deixam de atuar nas regiões mais remotas para buscar capacitação e qualificação. Como forma de incentivo, esses profissionais receberão um adicional de 10% a 20% sobre o valor total da bolsa recebida durante o período de permanência no programa, a depender da vulnerabilidade do município.
Diplomas
Para entidades médicas, é essencial que profissionais com diplomas obtidos no exterior tenham seus conhecimentos validados no Brasil, algo que atualmente não é exigido pelo Ministério da Saúde no programa Mais Médicos.
Em entrevista, o presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), César Eduardo Fernandes, reconhece que há regiões do país conhecidas como vazios assistenciais, onde a oferta de médicos é insuficiente. No entanto, ele acredita que a solução não é simplesmente enviar profissionais para esses lugares, mas também garantir segurança e condições adequadas de trabalho.
“Faltam condições mínimas para a qualidade de vida do profissional e de sua família. Ele não se vê atraído [por aquela localidade]. Não se trata de questões salariais meramente. Claro que isso importa. Mas importam também as condições de trabalho oferecidas. Não adianta só mandar o médico com um estetoscópio no pescoço. Ele tem que estar acompanhado de uma equipe. Médico não exerce medicina sozinho.”
Fernandes afirma que não é possível aceitar médicos sem que competências e habilidades estejam comprovadas. “Trazer médicos ao Brasil, sejam eles brasileiros formados no exterior ou de outras nacionalidades, sem comprovar suas competências não dá. Eles precisam revalidar seus diplomas. Sem isso, me parece uma temeridade. Ainda que fiquem sob a guarda de um programa educacional. Não podemos fugir desse debate.”
Por meio de nota, o Conselho Federal de Medicina (CFM) também criticou o novo formato do Mais Médicos. “Programas de alocação de profissionais em áreas de difícil provimento devem observar essa exigência legal [da revalidação do diploma] para reduzir os riscos de exposição da população a pessoas com formação inconsistente”. A entidade defende que uma melhor distribuição de profissionais pelo país depende de remuneração adequada e programas de educação continuada.
“O conselho entende que há necessidade de estímulos à adesão dos médicos graduados no Brasil para atuação em locais remotos. No entanto, não é admissível o fato de essa medida permitir que portadores de diplomas de medicina obtidos no exterior sem a devida revalidação atuem no país”, destacou a nota. “Entendemos que essa atenção deve ser de qualidade para que o paciente não seja exposto aos riscos da insegurança ineficácia.”
Registro do Ministério da Saúde
O professor do Departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Aith, destaca que os médicos do programa Mais Médicos com diploma obtido no exterior recebem uma certificação para exercer a profissão dentro do programa.
“Esses profissionais estão com o registro válido no Brasil, só não é o registro do Conselho Federal de Medicina [CFM]. Será um registro do Ministério da Saúde, que atesta uma qualidade de proficiência mínima desses profissionais. Vale dizer que não há risco à população na atual modalidade. O Revalida tem sua importância para validar diplomas obtidos fora do país, mas ele é muito criticado pelo excesso no exame”, afirma.
Em entrevista, Aith afirmou que há uma contradição na exigência, por parte do CFM, de uma avaliação para revalidação de diplomas de outros países sem a obrigatoriedade de exames para médicos formados no Brasil.
“O médico que se forma no país não precisa de nenhum tipo de prova para começar a exercer sua profissão e a gente sabe que existem muitas universidades com qualidades duvidosas no país”, acrescenta.
A supervisão do programa é, segundo o especialista, uma das condições que permitem o exercício de médicos sem o Revalida ou de profissionais estrangeiros em vazios assistenciais.
“O programa foi estruturado de uma maneira que permite, por meio de supervisores, a identificação de um eventual médico que não é bem formado, seja para qualificá-lo melhor, seja para excluí-lo do programa em tempo hábil antes de causar maiores danos a população”, diz.
Para o professor, o programa terá um papel fundamental de mapear as condições de trabalho dos profissionais. Por outro lado, este não pode ser apontado como motivo para que médicos não atuem em regiões periféricas. “Esses médicos vão ter condições mais precárias do que a dos grandes centros, mas não é que faltem condições mínimas. Primeiro, existe todo um apoio financeiro para esses médicos se instalarem na cidade para onde estão indo, com estrutura para se assentarem com suas famílias, se for o caso”, aponta.
“Agora, dizer que uma cidade de interior não tem condições mínimas é dar uma banana para população brasileira que vive nesses lugares. Se não tem condição nenhuma para um médico viver, não tem condição mínima para um cidadão viver. Claro que não terão todas as tecnologias, o conforto e o apoio logístico-administrativo que ele teria em um grande centro. Mas são essas carências que o programa nos ajudará a identificar melhor e ir suprindo ao longo do tempo”, conclui.
Ministério
Por meio de nota, o Ministério da Saúde informou que o programa “segue priorizando a participação de profissionais com CRM Brasil” conforme determina a legislação.
“Prova disso são os novos benefícios de medida provisória focados nesse perfil profissional. Para as localidades onde nenhum médico com registro profissional manifestar interesse em assumir a vaga, será feita a convocação de brasileiros formados no exterior e, se persistir a desocupação, serão convocados estrangeiros. A prioridade máxima é garantir acesso e assistência à população brasileira”, diz a nota.
Segundo a pasta, a previsão é de que até o fim de 2023, 28 mil profissionais estejam atuando em todo o país, principalmente nas áreas de extrema pobreza e vazios assistenciais. “Com isso, mais de 96 milhões de brasileiros terão a garantia de atendimento médico nos serviços da atenção primária, porta de entrada do SUS”, assegura a pasta.
O ministério também destacou que entre as principais razões para a rotatividade de profissionais está desistência de médicos que procuram formação. “Neste sentido, a estratégia vai ampliar o número de vagas de residência nas áreas prioritárias para o SUS e oferecer incentivos para quem fizer mestrado e pós-graduação em Atenção Primária à Saúde e Medicina da Família e Comunidade”.