Mulheres que ocupam postos de comando nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário debateram, nesta quarta-feira (29), em Brasília, desafios como o combate às diversas formas de violência e assédio e desigualdades racial e de gênero no mercado de trabalho.
Na abertura do encontro Mulheres em Ação, promovido pelo Instituto de Estudos Jurídicos Aplicados (Ieja), a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, falou sobre os desafios das mulheres indígenas e lembrou de um episódio em que foi convidada para subir ao palco de evento e cantar uma canção da cultura indígena, em vez de falar sobre lutas dos povos que representa.
“Eu não sei cantar. Eu quis falar. Como mulheres indígenas, nos olham como incapazes, [o] que a gente enfrenta como herança colonial e do machismo. Precisamos superar barreiras culturais, pois muitos povos, até hoje, não permitem que mulheres assumam lugares de poder e de decisão. Eu sou um exemplo real”, afirmou a ministra.
Sonia Guajajara disse que, em um período de militância política, não compreendia a importância da temática feminina. “Eu dizia que não precisa, que gente tem que lutar igual, na paridade [com os homens]. Mas isso não acontece naturalmente. A gente precisa se juntar, se fortalecer, enquanto mulher, ser reconhecida e ter esse espaço.”
Feminicídio e misoginia
No primeiro painel do encontro, sobre a violência contra a mulher, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, trouxe números sobre delitos e crimes que estão sendo combatidos pela pasta.
No encontro, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, citou dados do Núcleo de Estudos da Violência da USP, segundo o qual, em 2022, 1.410 mulheres morreram em razão do gênero. A ministra tratou o feminicídio como morte de causa evitável. “Se a mulher tiver condições de fazer a denúncia, se tiver acompanhamento, se houver uma resposta efetiva dos sistemas de segurança, de justiça, de assistência social, de saúde, possivelmente, evitaríamos as mortes.”
Cida Gonçalves reforçou o envio do Pacto Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio ao Congresso Nacional. E pediu a quebra da resistência do Judiciário para ter o monitoramento de agressores com tornozeleiras eletrônicas. “Não podemos colocar a mulher para apertar o botão, quando vê o agressor. O Estado é quem tem que monitorar o agressor. A polícia monitora a tornozeleira eletrônica. No celular [da mulher], vai ter um dispositivo para avisar: ‘desvie o caminho que ele está chegando perto, e a viatura também, em busca dele, porque será prisão em flagrante por descumprimento de medida protetiva”, afirmou.
Segundo Cida Gonçalves, o Ministério das Mulheres acompanha a discussão sobre influenciadores digitais de masculinidade, em plataformas online. “Esses espaços, conhecidos como ‘machosfera’, devem ser enfrentados pelos governos, pela sociedade civil e pelas empresas”.
A ministra expôs o método usado por tais influenciadores nas redes sociais, apelidado de red pill [pílula vermelha, em inglês. Refere-se ahomens que se opõem ao sistema que favorece as mulheres]. Esses grupos organizados têm um discurso, um vocabulário próprio, comum e, geralmente violento, que se refere às mulheres com palavras de baixo calão, ofensivas e misóginas. Usam o discurso de ódio, como uma prática de pedagogia da desumanização da outra, por meio de repetição de mensagens de objetivação e inferiorização das mulheres. E buscam naturalizar e legitimar relações de desigualdade de gênero e as violências contra elas cometidas. Na ‘machoesfera’, a misoginia reina”, enfatizou Cida.
Violência política de gênero
Como representante do Poder Legislativo, a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) disse que o desafio de transformar o mundo é imenso. “A política, o direito, a estrutura pública, a presença como empreendedoras, ou na economia solidária, nas diferentes e múltiplas formas nos desafiam a participar da economia, da política, nos desafiam a transformar a sociedade para que não subjuguem os nossos desejos, as nossas vontades”, afirmou a deputada.
Maria do Rosário defendeu o fim da violência de gênero na política brasileira e citou a hostilidade existente pelo fato de os alvos serem mulheres. “Observam a nossa condição como limitada para a política, quando não há limites, na realidade. Participamos de processos eleitorais que nos tratam de forma violenta. A violência não está só dentro das instituições, está quando as candidaturas são apresentadas, na forma com que são tratadas, nas fake news [notícias falsas] espalhadas. Então, a violência política de gênero no Brasil não pode nos definir”.
A deputada Benedita da Silva (PT-RJ) destacou a necessidade de os partidos políticos cumprirem as cotas de representatividade e de destinação de 30% dos recursos do Fundo Eleitoral para candidaturas de mulheres. “Não é possível que não cumpram, que não haja punição. Nós temos que estar vigilantes, não podemos deixar, porque isso é uma irregularidade.”
Como assistente social, a parlamentar pediu que o Judiciário observe a dignidade da mulher encarcerada. “No nosso sistema prisional, as pessoas devem se sentir quase mortas porque há o isolamento. Não vai ressocializar. É preciso que, no ordenamento jurídico, haja garantia tanto para esta mulher quanto para suas crianças. Na situação de condenada por qualquer crime, não podemos criminalizar de forma nenhuma toda uma família”, afirmou Benedita.
Mulheres trans
Em um painel sobre desigualdade racial e de gênero, a secretária Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Symmy Larrat, relatou que passou pela prostituição, em Belém, para sobreviver até passar pela transição de gênero e chegar a espaços de poder. “A disputa pela autopercepção é um processo. Fui me encontrar comigo mesma.”
Segundo a secretária, o autorreconhecimento de gênero, garantido pelo Supremo Tribunal federal (STF), foi um marco, mas ainda é preciso ter uma política nacional de proteção às pessoas LGBTQIA+, com orçamento, para pôr fim à violência e à exclusão socioeconômica. Symmy destacou que é urgente construir programas que pensem na superação nos campos da empregabilidade, educação e renda. “É preciso pensar nessa população, sobretudo a transgênero e negra, para que esteja dentro de uma estrutura burocrática para cair o dinheiro lá e executar a política [pública].”
Sobre a decisão do STF de criminalização da chamada homotransfobia, Symmy destacou que a secretaria trabalha com o Ministério da Justiça para pensar normas no campo da segurança pública para implementação, de fato, da decisão judicial. “As decisões do STF foram as mais importantes a ocorrer dentro do último governo, que era representado pelo ódio e se colocou contra, não fez o dever de casa. Então, não temos um regramento, um entendimento sobre como aplicar essa decisão do STF”, acrescentou.