Conceição Evaristo, renomada escritora, descreve seu processo de escrita como uma jornada profundamente emocional. Ela revela que, ao construir suas histórias, frequentemente se emociona a ponto de precisar interromper sua escrita para se recompor. Cada palavra que Conceição coloca no papel é cuidadosamente trabalhada, refletindo um compromisso intenso com a qualidade e a autenticidade de sua obra.
“A criação literária para mim é um prazer que vai além da simples escrita. É gratificante quando finalizo um texto e sinto que ele alcançou sua completude, mesmo tratando de temas dolorosos”, compartilhou a autora.
Conceição Evaristo é uma das figuras mais celebradas na segunda edição do Festival Literário Internacional de Paracatu. No ano anterior, foi homenageada ao lado do escritor moçambicano Mia Couto. Durante o evento, Conceição conversou com a Agência Brasil sobre diversos temas, desde seu processo criativo até questões sociais e políticas que permeiam sua literatura.
Leitura e Acessibilidade no Brasil
Quando questionada sobre a participação em feiras literárias, Conceição destacou a importância de oferecer acesso à leitura para a população. “Existe essa ideia de que o brasileiro não gosta de ler, mas eu acredito que o problema está na falta de oportunidades. Livros no Brasil são caros, e essa barreira econômica impede que muitas pessoas se tornem leitoras. Se houvesse mais políticas voltadas para a publicação e distribuição de livros, acredito que a leitura seria mais acessível”, comentou.
Afeto e Transformação na Literatura
A literatura de Conceição Evaristo é marcada por um profundo senso de afeto, especialmente em relação aos personagens que cria. Ela relata que, ao escrever cenas intensas, sente uma ligação quase maternal com suas criações. “Na construção dos meus personagens, é como se eu estivesse criando filhos. O afeto que sinto por eles transparece no texto, e isso acaba tocando o leitor”, disse Conceição, lembrando-se de um momento particularmente comovente de seu livro “Ponciá Vicêncio”.
A escritora também acredita na capacidade de transformação, tanto dos personagens quanto das pessoas reais. No mesmo livro, ela aborda a mudança de comportamento de um homem que se torna mais consciente de suas ações e do impacto delas em sua esposa. “Acredito que os homens podem mudar, seja por consciência própria ou por um processo educativo”, afirmou.
Reflexões sobre o Mundo e a Humanidade
Conceição vê o mundo atual como um espaço saturado de cansaço e esgotamento, fruto de um capitalismo exacerbado. Para ela, a humanidade está em busca de um propósito que muitas vezes parece inalcançável. “As pessoas estão cansadas, e isso reflete em como vivemos nossas vidas, sempre olhando para o futuro, mas com uma urgência no presente que nos consome”, refletiu.
Literatura Universal e o Papel da Escrita Negra
Para Conceição Evaristo, a literatura negra vai além do entretenimento; ela é uma ferramenta para provocar reflexão e incômodo. A escritora acredita que sua obra, embora enraizada em sua experiência como mulher negra, tem a capacidade de dialogar com leitores de diversas origens e culturas. “Minha literatura é universal porque, a partir da minha subjetividade, consigo criar textos que convocam pessoas de todas as partes. Isso é o que faz dela uma literatura que alcança a todos”, declarou.
Novos Projetos e Desafios Literários
Entre seus novos projetos, Conceição está trabalhando em uma coletânea de poesias eróticas, um desafio que exige um cuidado especial. Ela busca evitar os estereótipos frequentemente associados ao corpo negro, criando uma obra que insinue e desafie o leitor a refletir sobre a sexualidade de forma profunda e respeitosa.
Por fim, Conceição mencionou seu interesse contínuo em reler obras, especialmente de autores africanos e brasileiros como Carolina Maria de Jesus, cuja intensidade literária ela compara à de Clarice Lispector. “Carolina era uma mulher extremamente intensa, e seu trabalho vai além da fome física que descreve. Ela simboliza uma busca universal por liberdade e dignidade, algo que tento capturar em minha própria escrita”, concluiu a escritora.