A prática regular de musculação não se limita a ganhos de força, resistência e prevenção de lesões. Um estudo inovador conduzido pelo Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia (Brainn), vinculado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), revelou que a atividade também protege o cérebro de idosos contra o declínio cognitivo e a demência.
Publicado na revista científica GeroScience, o estudo acompanhou 44 voluntários diagnosticados com comprometimento cognitivo leve, uma condição intermediária entre o envelhecimento cerebral normal e o desenvolvimento da doença de Alzheimer. Os resultados apontaram que a prática de musculação duas vezes por semana, com intensidade moderada a alta, preservou regiões cerebrais fundamentais, como o hipocampo e o pré-cúneo, áreas que costumam sofrer alterações em casos de demência.
Além disso, os pesquisadores identificaram um impacto positivo na substância branca do cérebro, essencial para a comunicação entre neurônios. Entre os participantes que incorporaram a musculação à rotina, metade apresentou melhoras significativas em apenas seis meses, sugerindo que os benefícios podem ser ainda mais expressivos em prazos mais longos.
Segundo a pesquisadora Isadora Ribeiro, primeira autora do artigo e doutoranda na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), todos os participantes que realizaram o treinamento de força demonstraram melhora na memória e na estrutura cerebral. Cinco deles, inclusive, não apresentavam mais sinais clínicos de comprometimento cognitivo leve ao fim do estudo, evidenciando a eficácia da intervenção.
Para mensurar esses efeitos, os cientistas aplicaram testes neuropsicológicos e exames de ressonância magnética, que permitiram comparar as mudanças na estrutura cerebral ao longo do tempo. Estudos anteriores já indicavam que a perda cognitiva está associada à atrofia cerebral, reforçando a importância de estratégias que retardem esse processo.

Envelhecimento e risco de demência no Brasil
Atualmente, estima-se que 2,71 milhões de brasileiros com 60 anos ou mais convivam com algum tipo de demência, representando 8,5% da população idosa. De acordo com o Relatório Nacional sobre a Demência, divulgado pelo Ministério da Saúde, esse número pode dobrar até 2050, alcançando 5,6 milhões de casos.
O estudo também destaca que até 45% dos casos de demência poderiam ser prevenidos ou adiados com mudanças no estilo de vida. Fatores de risco incluem baixa escolaridade, perda auditiva, hipertensão, diabetes, obesidade, tabagismo, depressão, inatividade física e isolamento social.
Histórias de superação e qualidade de vida
Exemplos como o da atriz e modelo Shirley de Toro, de 62 anos, reforçam a importância da musculação na terceira idade. Moradora de São Paulo, Shirley se exercita regularmente há 17 anos e credita à prática sua melhora na saúde e bem-estar.
Com histórico de epilepsia e um acidente grave que comprometeu sua mobilidade, ela encontrou na musculação um aliado essencial para a recuperação. “Após a cirurgia no cérebro, percebi a necessidade de exercícios. Depois de ser atropelada, foi o treinamento de força que aliviou minhas dores”, relata. Durante a pandemia, manter uma rotina de exercícios ajudou Shirley a preservar a saúde mental em um período de isolamento e perdas familiares.
Exercícios de força e seus impactos na saúde mental
Segundo Alessandra Nascimento, especialista em desenvolvimento físico-esportivo do Sesc São Paulo, há um crescente reconhecimento dos benefícios da musculação para a saúde mental e cognitiva. “Antes, recomendava-se apenas hidroginástica ou caminhada para idosos. Hoje, sabemos que o treinamento de força é fundamental para manter a autonomia e retardar o declínio cognitivo”, explica.
Estudos indicam que a calistenia, modalidade que utiliza o peso do próprio corpo como resistência, está entre as práticas mais procuradas globalmente. Esse método, assim como a musculação convencional, contribui para a preservação da massa muscular, equilíbrio e coordenação motora.
Alessandra também enfatiza a necessidade de políticas públicas que ampliem o acesso às atividades físicas. “Profissionais de educação física deveriam integrar as equipes de saúde nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e no SUS, garantindo um trabalho multidisciplinar com médicos e fisioterapeutas”, defende.
Com mais evidências sobre a relação entre exercício físico e saúde cerebral, a musculação se consolida como uma estratégia acessível e eficaz na prevenção de doenças neurodegenerativas, promovendo qualidade de vida e longevidade.