Em 14 de março de 2018, a vereadora Marielle Franco foi brutalmente assassinada a tiros após participar de um evento que tratava sobre a defesa dos direitos das mulheres negras. A deputada estadual fluminense Renata Souza, membro do mesmo partido político que Marielle, o PSOL, afirmou que a morte da vereadora foi resultado de um feminicídio político. Renata Souza desenvolveu esse novo conceito para descrever casos em que mulheres são assassinadas para silenciar suas lutas políticas.
De acordo com a deputada, o feminicídio político ocorre quando mulheres são assassinadas em função de sua atuação política. Marielle Franco, Dorothy Stang – missionária que se opunha à exploração ilegal da floresta – e Patrícia Acioly – juíza que lutava contra a violência policial – são exemplos de lideranças femininas que foram vítimas desse tipo de crime. Segundo Renata Souza, todas elas foram mortas por pistoleiros como uma forma de calar suas denúncias contra ilegalidades.
O conceito de feminicídio político proposto por Renata Souza destaca a importância de se reconhecer a violência de gênero não apenas nos âmbitos doméstico e afetivo, mas também na esfera pública e política. A luta de Marielle Franco pelos direitos das minorias e contra a violência do Estado foi interrompida de maneira trágica, e sua morte se tornou um símbolo da violência política que afeta, principalmente, as mulheres negras e periféricas.
“Feminicídio político existe. Marielle foi vítima de feminicídio político, assim como outras mulheres. A violência política de gênero tenta interditar nossas ações e inviabilizar as nossas atuações”, afirmou Renata Souza, reeleita em 2022 para seu segundo mandato na Assembleia Legislativa do estado (Alerj).
Renata Souza, “nascida e criada” no Complexo da Maré, destacou que mulheres negras, vindas de favelas, que ocupam espaço no parlamento causam incômodo.
“O feminicídio político de Marielle também demonstra o quanto somos malquistas nesses espaços, espaços que, historicamente, foram negados para nós, mulheres, mulheres pretas, de favela, de periferia, LGBTQIA+”, disse, em seminário realizado para homenagear Marielle Franco, nesta segunda-feira (13), na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Mônica Francisco, ex-deputada estadual que também é oriunda de comunidade periférica – cresceu no Morro do Borel – e que ocupou o cargo parlamentar entre 2019 e fevereiro de 2023, destaca que o mandato de Marielle Franco representava um desafio à sociedade racista e sexista em que vivemos.
Para Mônica, a simples presença de Marielle como vereadora, mulher negra e lésbica, já confrontava as estruturas opressoras presentes no cenário político e social brasileiro. Ao ocupar espaços de poder e lutar pelos direitos das minorias, Marielle desafiava a lógica dominante e expunha as desigualdades que permeiam nossa sociedade.
Mônica Francisco também ressalta a importância do legado deixado por Marielle Franco, que continua inspirando a luta por uma sociedade mais justa e igualitária. A ex-deputada destaca que Marielle foi uma liderança política que transcendeu sua própria trajetória, tornando-se um símbolo da resistência contra o racismo, o sexismo e a violência que ainda são tão presentes em nossa sociedade.
“As mulheres negras são atravessadas por um histórico de existência em tragédia: o sexismo, o racismo, a desumanização extrema, tudo isso culminou com a execução de Marielle. Não é que a Marielle, em seu mandato, desafiava as pessoas. O desafio maior era a própria ocupação de um espaço não destinado às mulheres negras. E existência das mulheres negras é uma ameaça numa sociedade racista”, disse, durante o seminário.
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A vereadora Mônica Cunha, filiada ao PSOL, não teve uma trajetória de vida em comunidades periféricas como algumas de suas colegas de partido. No entanto, como mulher negra, ela conhece na própria pele as dores enfrentadas por muitas moradoras de favelas e regiões carentes.
“Marielle era um farol, uma luz. Ela ‘chegava chegando’ e isso incomoda. Incomodou porque ela não era ela só. Ela era todas nós”, afirmou a vereadora.
Dicionário de Favelas
O evento foi promovido pela equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco, uma plataforma online, mantida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que reúne mais de 1.500 verbetes relacionados à realidade das comunidades brasileiras e que teve apoio da vereadora assassinada, quando ainda estava sendo idealizado.
Para Sônia Fleury, coordenadora do dicionário, Marielle Franco inspirou mulheres negras, moradoras de favelas, a buscar protagonismo político.
“Marielle é um símbolo nacional, internacional, de uma cidadania insurgente, que tocou a emoção dos jovens, de que é possível fazer política de outra maneira”, ressaltou. “É preciso pensar que há um movimento das favelas para o parlamento. Marielle é o símbolo disso e deixou sementes”, completou.