“Do Leme ao Pontal, não há nada igual…”. Assim como os versos cantados por Tim Maia à beira do mar, no Leme, na zona sul do Rio de Janeiro, uma história familiar se inicia. Há aproximadamente uma década, foi nesse cenário que Juliano Almeida compartilhou com seu marido, Roberto Jardim, seu maior desejo: tornar-se pai. Ricardo Souza, um amigo próximo e solteiro há muito tempo, também se emocionou com as palavras de Juliano e decidiu se envolver profundamente na busca e nos trâmites da adoção de um menino. O sonho que surgiu à beira da praia hoje se desdobra como uma realidade. Pedro, um menino negro de oito anos, chama os três homens de “pai”. É uma história de proteção multiplicada e, como todo amor, é singular.
Desde cedo, Pedro ouviu em casa que ninguém é igual. “Em algum momento, alguém na escola mencionou que ele era adotado, e ele veio nos perguntar sobre isso. Ele lida com isso de maneira tranquila, porque entende como algo natural”, afirma Juliano, de 50 anos, um produtor cultural. Para os adultos, essa jornada tem sido uma transformação contínua.
“Ser pai é uma oportunidade para se tornar um ser humano melhor”, reflete Roberto, marido de Juliano, que trabalha como contador. “É uma mistura de emoções. É um amor que não pode ser mensurado, mas também é uma preocupação diária que compartilhamos”, pondera Ricardo, estilista de 49 anos, que agora reside na cidade de Cabo Frio, a 200 km da capital fluminense.
Juliano relembra que também sentiu o chamado para ser pai ao testemunhar e sofrer com as injustiças como a fome e o abandono nas ruas. Ele, Roberto e Ricardo também se multiplicam entre si para encontrar um equilíbrio entre amor e limites no processo de educação. Os três esforçam-se, sempre que possível, para planejar eventos e viagens que reúnam os quatro. Um compromisso fundamental para eles na criação de Pedro é tratar a diversidade de forma natural e se opor a todas as formas de preconceito. “Ele ainda não vivenciou episódios de racismo. Nós enfatizamos para ele a naturalidade da diversidade de cores de pele, gênero e religiões.”
“Ele me procurou para falar de racismo”
Nesse trajeto, o sociólogo Helton Souto, presidente do Instituto Dacor (ONG de combate ao racismo), acredita que é possível abordar assuntos como o preconceito racial de maneira natural com as crianças, permitindo que elas se sintam empoderadas para fazer qualquer pergunta que desejem. Sendo pai de Augusto, um menino negro de 7 anos, como ele, Souto compreende que discutir o racismo é um desafio em qualquer momento, mas também é essencial. Ele, juntamente com a mãe, que é branca, cria o filho em São Paulo (SP).
“Valorizar a identidade e a autoestima é de extrema importância. Às vezes, uma criança negra precisa lidar com manifestações de racismo de maneira muito direta.” O pesquisador aborda esse tema em sua própria casa. “É crucial fortalecer essa identidade e oferecer oportunidades para conversar sobre isso. Meu filho passou por uma situação racista na escola. Comentaram sobre o cabelo dele. Ele chegou em casa sem entender. Ele trouxe o assunto à tona, e eu conversei com ele.” Desde então, o pai tem sido um ouvinte atento para possíveis surpresas e dúvidas que surjam sobre qualquer coisa que seja confusa para o menino.
Essa experiência levou os pais a procurar a escola para uma conversa, proporcionando uma oportunidade de enfrentar o racismo de frente. A abordagem natural em relação ao preconceito continua até mesmo quando eles jogam videogame e não encontram personagens com pele e cabelo semelhantes aos de seu pai e filho. “Eu não estou dando aula sobre identidade racial para o meu filho. A experiência é o melhor caminho.” O pai sente orgulho de seu filho, que mesmo tão jovem questiona por que ainda há tantas pessoas em situação de rua.
Conversa enquanto brinca
Pai de uma menina de cinco anos chamada Liah, o professor de educação física Anderson Rosa, de 36 anos, que reside em Brasília, compartilha a responsabilidade parental com sua esposa, Lélia Charliane, que é professora de história. “Nós dividimos todas as tarefas. Não há distinção entre tarefas de homem e tarefas de mulher. Com nossa filha, brincamos de tudo e estamos sempre em conversa”, ele relata.
Anderson faz questão de perguntar como foi o dia de Liah, e cada dia traz algo novo. Um dos assuntos frequentes é a discussão sobre a diversidade de tons de pele. “Constantemente abordamos a questão de sua identidade como uma menina negra. Nós a criamos para ser empoderada”, ele compartilha.
Foi por meio de sua esposa e, diretamente, por interação com a filha, que Anderson percebeu a importância de estar preparado para enfrentar preconceitos. “Nós conversamos com ela desde que ela era pequena e conseguimos transmitir isso a ela de maneira natural.”
Inspirações
Ao falar sobre experiências impactantes, a história de paternidade do advogado Hugo Teles, de 44 anos, é verdadeiramente inspiradora. Pai de João, com 13 anos, e Camila, com 12, Hugo se preparou para a paternidade, que se tornou a experiência mais marcante de sua vida. Ele e sua esposa, Karina, adotaram seus amores quando ainda eram bebês. A transformação que isso trouxe para sua vida foi tão significativa que ele se tornou voluntário em um grupo de apoio à adoção.
Na infância, Hugo enfrentou um câncer linfático e, mais tarde, descobriu que era estéril. “Optamos pela via da adoção. Durante essa jornada, construí minha ideia do que seria ser pai antes de os meninos chegarem”. Junto com sua esposa, eles começaram a participar de grupos de apoio e discussões sobre paternidade e maternidade por meio da adoção. “Foi tão inspirador que passamos a ajudar pessoas que estavam na mesma situação que vivemos anteriormente”.
Nesses grupos, eles puderam entender melhor os preconceitos, estigmas e desafios envolvidos na adoção. Como pais brancos com filhos negros, eles falam abertamente sobre o racismo, mesmo que não tenham vivenciado situações explícitas de discriminação até o momento. “Após me tornar pai por adoção, passei a perceber de maneira diferente o racismo estrutural que existe no Brasil”.
Para discutir adoção e diversidade, Hugo encontrou no cinema e em histórias de heróis como o Super-Homem e o Homem-Aranha, entre outros, uma maneira de abordar esses temas. “Muitos super-heróis são filhos adotados, por exemplo.” Além do cinema, Hugo é um parceiro nos interesses de João no futebol e também aprendeu a cozinhar pratos diferentes porque sua filha gosta de cozinhar. Esse pai dedicado nunca para. Ele pula na piscina, anda de bicicleta e leva os filhos para a escola. E após tudo isso, ele volta para o grupo de adoção para auxiliar outros pais a aproveitarem a alegria, a aventura mais desafiadora e o amor incondicional que um dia ele imaginou não ser possível.