Durante 40 anos no Brasil, de 1980 a 2019, as taxas de homicídio de mulheres foram subestimadas. Os dados revelam um aumento de 28,62%, de 4,58 para 5,89 homicídios por 100 mil mulheres, na mesma proporção. Esse estudo foi conduzido por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Instituto Nacional do Câncer (Inca) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), uma região é considerada de extrema violência quando a taxa de óbitos ultrapassa 3 por 100 mil mulheres.
A pesquisa utilizou um método de correção para analisar as mortes violentas de mulheres e identificar a violência de gênero. Os dados foram coletados a partir do registro de óbitos no Sistema de Informação sobre Mortalidade do Sistema Único de Saúde (SIM/Datasus).
Karina Meira, pesquisadora da UFRN e coordenadora do estudo, explica o método utilizado:
“Existem técnicas demográficas que permitem identificar fatores de correção para esse problema de subnotificação. Primeiro nós fizemos a correção para as causas indeterminadas e depois nós fizemos as correções para a subnotificação, e aí a gente teve um número de óbitos, de homicídios, corrigido”.
O estudo apontou um aumento na frequência de óbitos de mulheres causados por violência em todas as regiões do Brasil. Na Região Norte, por exemplo, esse tipo de ocorrência foi 49,88% maior do que o número apresentado pelo governo. O menor índice foi registrado na Região Sul, com um aumento de 9,13%.
Rafael Guimarães, coautor do estudo e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fiocruz, explicou as disparidades entre as regiões.
“A gente tem aí uma redução do risco de óbito para o Sudeste e para o Sul e um aumento no Norte e Nordeste, o que significa dizer que ao longo destes últimos 40 anos, gradativamente, esse problema de saúde pública foi se tornando particularmente mais penalizante para mulheres do Norte e do Nordeste do que pro Sul do Brasil”.
Recorte racial
Um dado alarmante apontado pelo estudo é a questão dos assassinatos de mulheres negras. Entre 2009 e 2019, houve uma redução dos homicídios de mulheres brancas no Brasil, porém, um aumento significativo entre as mulheres negras.
Em 2019, uma mulher negra tinha, em média, 1,7 vezes mais chances de ser assassinada do que uma mulher branca, sendo que em alguns estados essa situação era ainda mais grave. No Rio Grande do Norte, por exemplo, uma mulher negra tinha um risco 5,1 vezes maior de ser morta.
Karina Meira, uma das autoras do estudo, destaca que esse resultado reflete a persistência do racismo no país.
“A gente é um país que tem um racismo, que a gente vivenciou a escravidão por mais de 300 anos, e nós temos um país em que os corpos negros, tanto de mulheres quanto de homens, têm menos valor”.
Recorte etário e regional
O estudo também analisou a faixa etária das mulheres e constatou que aquelas entre 20 e 39 anos enfrentam um risco maior de sofrerem violência em comparação a mulheres de outros grupos etários. Além disso, o local onde vivem também é um fator de influência, sendo que mulheres em cidades com culturas patriarcais mais conservadoras enfrentam um risco maior de sofrer violência doméstica do que mulheres em locais onde há mais discussões sobre violência.
Rafael Guimarães enfatizou a importância do estudo.
“A gente considera importante discutir o assassinato de mulheres neste mês em particular de março porque é o mês em que a gente celebra o Dia Internacional da Mulher e a gente pretende que este nosso diagnóstico seja uma pequena contribuição para os estudos de iniquidades do gênero neste país”.
A análise também apontou os principais métodos usados nos assassinatos, entre eles armas de fogo, objetos contundentes ou perfurantes e estrangulamento.