Um corpo feliz que samba. Esse deveria ser o olhar de quem assiste os componentes, passistas e artistas do Carnaval na Avenida. Mas nem sempre é assim. O muso “Gato de Salto” vem sofrendo ataques preconceituosos com maior intensidade desde o ensaio técnico que participou na Sapucaí com a escola de samba que representa, o Império da Tijuca. Apesar de não ser uma novidade, as ofensas vem ganhando maior volume e frequência na internet e também no palco dos desfiles. O muso, que dá aulas de samba no pé internacionalmente, percebe que, ao mesmo tempo que existem muitas pessoas que vibram e torcem com a sua performance, outras lançam olhares de repúdio.
Conhecido por sambar com fantasias ousadas e em sandálias plataformas bem femininas, Gato de Salto relata que tenta ignorar os comentários maldosos nas redes, mas que nos últimos tempos tem sido difícil: “O volume de comentários negativos, às vezes, me leva a questionar se eu realmente não estou exagerando no look, me expondo demais ou desagradando. Só depois de muita reflexão que eu me lembro que, para normalizar a existência de pessoas como eu, alguém precisa se expor e “ser visto”. Nem sempre tenho vontade e forças de continuar a luta, mas continuo mesmo assim pensando em quem não tem voz para gritar por seus direitos”.
Apesar de ter ferramentas nas redes sociais que permitem bloquear os comentários nas postagens, o muso não acredita que essa seja a solução. Para ele, apesar de ser muito doloroso enfrentar essa situação, existe muito incentivo e palavras de admiração e carinho. Sem contar que a homofobia e todos os demais tipos de preconceitos são lutas que precisam ser vistas e expostas:
“Há muitas pessoas decididas a intervir e expor quem se comporta de maneira injusta. Muitos comentários que recebo são de julgamento com cunho religioso extremo. Esses valores, bem como valores machistas, sexistas, homo e transfóbicos estão profundamente enraizados na sociedade. Muita gente ainda não reconhece o potencial nocivo desses valores”, explica.
Acreditando no Carnaval como um espaço de diversidade, Gato de Salto acredita que essa é uma questão que mexe com as estruturas de uma sociedade enraizada em questões históricas e que ainda não foram resolvidas socialmente. Para o artista, “a diversidade é em partes tolerada nos bastidores da festa. Os lugares de destaque são, em parte, reservados à visões machistas e sexistas e principalmente à objetificação do corpo feminino”, analisa o sambista que também confessa um certo desânimo: “faz eu me questionar qual é o tipo de conteúdo que eu devo postar mas minhas redes, uma vez que os atuais são altamente elogiados, mas também altamente criticados. Dá vontade de parar de postar, o que consequentemente afetaria minhas possibilidades de trabalho”.
Ainda assim, Gato de Salto acredita que é importante que as pessoas tomem consciência e sejam responsabilizadas sobre seus atos, sejam presenciais ou virtuais, e que o ódio disfarçado de opinião pessoal é uma escolha: “A gentileza, o respeito e o amor ao próximo devem sempre ser garantidos em qualquer tipo de engajamento, dentro ou fora das redes”, finaliza. O sambista, que viaja o mundo levando o samba no pé e representando o Brasil em diversos países, levanta a bandeira da humanidade e da igualdade para que todos os corpos sejam livres e possam se expressar artisticamente sem preconceito ou qualquer outro tipo de violência.