Na cerimônia repleta de emoção e discursos poderosos, a deputada federal Joenia Wapichana assumiu o cargo de presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Em seu discurso de posse, ela se comprometeu a reconstruir a Funai e destacou a importância de, pela primeira vez, o órgão estar sendo liderado por uma indígena.
“Esse é o primeiro passo que a gente tem de dar. Reorganizar a Funai. Fortalecer a Funai. Buscar orçamento para a Funai”, destacou Joenia ao assumir o cargo. A presidenta da Funai também mencionou outros desafios enfrentados pelo órgão, incluindo as restrições orçamentárias, a escassez de servidores públicos e o grande volume de ações judiciais acumuladas ao longo dos anos.
“Todo esse caminho que percorremos para chegar aqui até hoje foi longo e muito sofrido. Muitas vidas se perderam no caminho e ainda estão se perdendo. Passamos anos de desmonte, de sucateamento, de desvalorização dos servidores públicos”, declarou a nova presidenta.
Com relação aos servidores públicos, a presidenta da Funai prometeu promover um concurso público, desenvolver um plano de carreira e trabalhar para ampliar o poder de polícia dos funcionários da Funai. “Os servidores [da Funai] não têm condições de trabalhar, de não ter um salário digno, de não ter poder de polícia. São enviados para uma área como o Vale do Javari, onde aconteceu a tragédia do [indigenista] Bruno Pereira e do [jornalista] Dom Phillips”, declarou.
Joenia afirmou também que buscará a orientação do Ministério Público Federal para lidar com a acumulação de processos por omissão e negligência na Funai. “Agora vamos reverter esse papel. Em vez de perseguir servidor, de fechar a porta para os povos indígenas, a Funai tem de estar ao lado dos povos indígenas. Tem que ir no processo não para acusar, mas para proteger. E esses são os novos tempos necessários para o país”, destacou
Convidados
Após a posse, Joenia Wapichana assinou nove atos. Destes, sete foram para a criação de equipes de trabalho com o objetivo de identificar e delimitar terras indígenas em sete estados do Brasil, incluindo Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Pará, São Paulo e Minas Gerais. Além disso, ela assinou duas restrições de uso de terras indígenas, no Mato Grosso do Sul e Amazonas, e uma portaria que estabelece um grupo de trabalho para apoiar as ações do governo federal na Terra Indígena Yanomami.
O evento de posse de Joenia Wapichana como presidenta da Funai teve uma duração de quase duas horas e aconteceu no Memorial dos Povos Indígenas. Entre os convidados estavam as ministras Sonia Guajajara (Povos Indígenas) e Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima), a vice-governadora do DF Celina Leão, deputados e líderes indígenas. O ex-presidente da Funai, indigenista Sydney Possuelo, também esteve presente.
Sonia Guajajara destacou, em sua fala, a crescente participação política da comunidade indígena, que está conquistando cada vez mais posições de poder. “A bancada do cocar está espalhada pelo Congresso Nacional e pelos órgãos do Executivo. Isso marca de fato o novo momento, da luta. Porque a gente hoje vê o resultado do que foram esses anos todos de mobilização, de luta, de resistência de nossos povos”, disse.
Sonia Guajajara considerou a posse da primeira mulher indígena à frente da Funai como um momento histórico. “Estamos construindo uma nova história, onde nós marcamos o começo da política indígena do Brasil. Até então, era uma política indigenista, onde outras pessoas, não indígenas, discutiam, construíam, representavam. Hoje é a política indígena, onde nós estamos ocupando o lugar de pensar, de construir e de executar”, destacou.
A ministra Marina Silva anunciou que seu Ministério trabalhará em colaboração com a Funai. “Graças a Deus, ao povo brasileiro, à responsabilidade com a democracia, com os direitos humanos, com os povos indígenas, com o combate à desigualdade, com a proteção da Amazônia, a justiça social, um mundo de luta e de paz, eu e o presidente Lula estamos unidos para trabalhar em paz pelo Brasil que a gente quer. De homens que se respeitam, mesmo na diferença. Contem comigo e a minha equipe”, discursou.
Líderes indígenas
O prestigiado líder indígena, Cacique Raoni Metyktire, deu o colete da Funai à nova presidenta durante a cerimônia de posse. Em seu discurso, ele defendeu a necessidade de uma conciliação entre indígenas e não indígenas, afirmando trabalhar por uma convivência pacífica entre ambos. “Quero pedir para que a gente fale uma língua só e estarmos unidos pelo bem de todos nós. Repudio a violência, o ódio e a inimizade. Nós, brasileiros, precisamos conviver em paz e de forma harmônica neste território”, declarou.
Raoni pediu aos jovens indígenas para continuarem a luta de seus antepassados, assumindo cargos na Funai. “Nossos indígenas, principalmente os mais jovens, têm que assumir este órgão e trabalhar para nossos povos indígenas”, ressaltou.
Enock Taurepang, coordenador geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), fez um discurso duro, pedindo o alinhamento dos movimentos indígenas para evitar crises humanitárias, como a do povo Yanomami. “Não nos curvamos diante do Estado. Não nos tornamos corruptos e vendidos como muitos. Estamos numa conjuntura favorável a nós, porém isso me preocupa. Porque é na facilidade que fica mais fácil de a inimizade entrar. É na facilidade que fica mais fácil de a inveja entrar”, disse.
Taurepang criticou os influenciadores digitais indígenas que se aliaram ao governo anterior. “Precisamos falar a verdade um para o outro porque só assim a gente vai defender de fato quem precisa. Falo em nome dos parentes yanomami que estão morrendo. Nós estamos em um mundo tecnológico em que o parente [indígena] se preocupa mais com like do que com a verdade. Não preciso de like. Preciso de parceiros e amigos que vão para a luta juntos com os povos indígenas”, concluiu.
Rituais
A cerimônia iniciou-se com um ritual de purificação conduzido pela pajé Mariana Macuxi, que também fez pinturas indígenas no rosto da nova presidenta da Funai. Em seguida, foi executado o Hino Nacional, cantado na língua Macuxi, uma etnia localizada no norte de Roraima. Duas crianças, pertencentes às etnias Kayapó e Xavante, apresentaram uma bandeira do Brasil e outra da Funai para Joenia.
Antes de começar a fazer o seu discurso, Joenia recebeu uma faixa que simboliza a união de todos os povos indígenas do Brasil, oferecida pelo líder Jacir Macuxi, um dos mais fervorosos defensores do reconhecimento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, situada em Roraima. A cerimônia terminou com uma apresentação da dança Parixara, realizada por indígenas de Roraima.