O ataque ocorrido em 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram e depredaram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal, é interpretado por psicanalistas como resultado de uma revolução fantasiosa e anacrônica. Segundo Tales Ab´Sáber, professor de filosofia da psicanálise na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os manifestantes agiram motivados por uma “revolução imaginária” que já estava completamente fora do contexto político e estratégico do país.
O movimento violento aconteceu dez dias após Bolsonaro deixar o Brasil e com o novo governo já empossado. Ab´Sáber aponta que, embora não houvesse condições reais para um golpe de Estado, o ataque foi resultado de um fanatismo alimentado durante meses por acampamentos em frente a quartéis e tentativas frustradas de paralisações de caminhoneiros. “A dimensão popular do golpe foi mantida, mesmo depois que a parte estratégica militar foi abandonada”, explicou.
“Todas as condições estavam dadas para o fanatismo da extrema-direita, como dizem os psicanalistas, passar ao ato. Não conseguiram mais se conter, mesmo porque eles estavam construindo esse ataque há um mês e meio, na frente dos quartéis, nas tentativas de paralisação dos caminhoneiros no Brasil inteiro. Era um movimento de fato.”
O psicanalista Christian Dunker, professor da USP, reforça que o evento foi sustentado por uma narrativa messiânica e um “negacionismo histórico”, com referências a velhos medos, como o comunismo. Ele observa que a expectativa de um ato de ruptura já permeava o imaginário coletivo, alimentada pela retórica golpista. Em visita aos acampamentos bolsonaristas antes do ataque, Dunker relatou ter encontrado pessoas em desespero, muitas solitárias ou endividadas, com discursos exaltados e comportamento delirante.
A falta de ação do ex-presidente para desmobilizar seus apoiadores também foi destacada por Ab´Sáber como um fator que contribuiu para o caos. “Bolsonaro não apenas se omitiu, mas deixou que a expectativa de golpe permanecesse viva entre seus seguidores, mesmo quando já não havia viabilidade estratégica”, afirmou.
Os especialistas ressaltam que a resposta a atos como os do 8 de janeiro deve incluir um rigoroso cumprimento do rito jurídico. “As pessoas precisam entender que tentativa de golpe é crime. É essencial que consolidemos a Constituição não apenas legalmente, mas também em nosso imaginário coletivo e emocional”, concluiu Ab´Sáber.
Até o momento, a defesa de Jair Bolsonaro não respondeu às solicitações de posicionamento sobre as análises feitas. O espaço permanece aberto para manifestação.