A recente tragédia climática no Rio Grande do Sul evidenciou a necessidade de reforçar o orçamento e as políticas públicas voltadas para a prevenção e recuperação de desastres. No entanto, a liberação desses recursos depende de projetos técnicos elaborados por prefeituras e governos estaduais. Esse é o alerta de Úrsula Peres, professora de Gestão de Políticas Públicas na Universidade de São Paulo e pesquisadora associada ao Centro de Estudos da Metrópole.
Entre 2010 e 2023, apenas R$ 6,5 de cada R$ 10 autorizados pelo Congresso Nacional para programas e ações nessa área foram efetivamente gastos, segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), analisados pela ONG Contas Abertas.
Peres explica que as ações de prevenção e recuperação de desastres são despesas discricionárias, ao contrário de áreas como saúde, educação e previdência social. “Como são despesas discricionárias, há menos pressão para que esses recursos sejam executados”, comenta.
Além disso, a execução desses recursos frequentemente depende de iniciativas locais, o que exige que estados e municípios elaborem projetos técnicos. “A maioria dos municípios brasileiros tem estruturas pequenas e menos capacidade para desenvolver projetos complexos, especialmente em áreas de risco com topografia complicada, o que torna os processos de licitação, medição e controle mais desafiadores”, detalha Peres.
A pesquisadora também aponta que o teto de gastos públicos, instituído pela Emenda Constitucional nº 95/2016, limita o aumento das despesas primárias, pressionando ainda mais as despesas discricionárias. “Ter orçamento autorizado não garante a execução da ação”, afirma.
Nos últimos 14 anos, o pico dos investimentos em prevenção de desastres foi em 2013, com R$ 6,8 bilhões durante o governo Dilma Rousseff. Em contrapartida, o menor investimento ocorreu em 2021, no governo Bolsonaro, com R$ 1,3 bilhão. Em 2024, o orçamento inicial no terceiro mandato de Lula é de R$ 2,6 bilhões, o maior desde 2018.
Nova Perspectiva Orçamentária
Úrsula Peres acredita que o retorno aos antigos níveis de previsão e execução orçamentária não será rápido. “Não é de uma hora para outra que se restabelece o volume do orçamento”, observa. Ela prevê que a tragédia no Rio Grande do Sul trará mudanças na agenda orçamentária, forçando uma reavaliação das prioridades de despesa e aumentando a conscientização sobre os riscos climáticos entre gestores e eleitores.
Peres ressalta a importância de considerar o impacto das políticas fiscais na população mais vulnerável, especialmente nas periferias sujeitas a enchentes e deslizamentos. “Precisamos agir com equidade, garantindo que os recursos cheguem a quem mais precisa”, defende.
Ela enfatiza a necessidade de buscar sustentabilidade econômica, social e ambiental, o que requer investimentos em uma economia verde. “Precisamos de recursos no orçamento agora para colher frutos no futuro, incluindo maior arrecadação”, afirma.
Medidas e Investimentos para o Rio Grande do Sul
O Tribunal de Contas da União (TCU) monitora os recursos destinados à gestão de riscos e desastres no Rio Grande do Sul. Desde 2012, foram liberados cerca de R$ 593,6 milhões pelo governo federal para o estado.
O presidente do TCU, Bruno Dantas, prometeu flexibilizar a burocracia para agilizar o atendimento às pessoas afetadas. Uma força-tarefa acompanha as obras de infraestrutura e as medidas de defesa civil no estado.
O Ministério das Cidades garantiu recursos para todas as propostas de obras de contenção de encostas enviadas pelo Rio Grande do Sul para áreas de risco. O novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê R$ 4,8 bilhões para drenagem e R$ 1,7 bilhão para contenção de encostas em todo o país, valores já disponíveis para contratação por parte dos municípios.
O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), em parceria com o BNDES, destinou US$ 1,115 bilhão ao Rio Grande do Sul, incluindo US$ 500 milhões para pequenas e médias empresas e obras de proteção ambiental.
Além disso, o governo federal instituiu o Auxílio Reconstrução, um benefício de R$ 5.100 para famílias afetadas pela tragédia no Rio Grande do Sul, e criou a Secretaria Extraordinária da Presidência da República para Apoio à Reconstrução do estado, coordenando ações federais para enfrentar a calamidade e promover a reconstrução.