O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), reconheceu neste domingo (15) a repercussão geral de um caso que questiona se a Lei de Anistia, de 1979, pode ser aplicada ao crime de ocultação de cadáver. Considerado um crime permanente, a ocultação de cadáver continua a se consumar enquanto o paradeiro da vítima não é esclarecido, o que mantém o delito em curso.
A Lei de Anistia foi promulgada durante o regime militar (1964-1985) e extinguiu a punibilidade de crimes políticos e conexos cometidos entre 1961 e 1979. Contudo, a nova discussão no STF busca determinar se essa extinção abrange atos que se prolongam no tempo, como o ocultamento de cadáveres de vítimas da repressão política.
Contexto do Caso
O processo examina uma denúncia de 2015 apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra dois ex-militares: Sebastião Curió Rodrigues de Moura, conhecido como Major Curió, e Lício Augusto Ribeiro Maciel. Ambos atuaram em operações contra a Guerrilha do Araguaia, movimento de resistência à ditadura militar nos anos 1970.
Em instâncias inferiores, a denúncia foi rejeitada, mas um recurso extraordinário do MPF levou o caso ao STF. Caso a repercussão geral seja confirmada pelo plenário, a decisão formará jurisprudência, orientando tribunais em casos semelhantes.
Segundo Dino, o foco da análise é a extensão da Lei de Anistia em relação ao crime de ocultação de cadáver, não uma revisão direta da decisão anterior do STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, que validou a anistia para crimes políticos do período.
Crime Permanente e Direitos Humanos
O ministro enfatizou que a ocultação de cadáver não se limita ao momento inicial do ato, mas persiste enquanto o local do corpo permanece desconhecido. Ele também destacou o impacto desse crime nas famílias das vítimas, que não podem exercer o direito ao luto.
“A manutenção da omissão do local onde se encontra o cadáver configura um ato criminoso e situação de flagrante, além de privar familiares de seus direitos fundamentais”, afirmou Dino.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos já condenou o Brasil, em 2010, pelo desaparecimento forçado de 70 pessoas na Guerrilha do Araguaia, exigindo a investigação dos fatos, a punição dos responsáveis e a localização dos restos mortais das vítimas.
Citações e Impacto Cultural
Na decisão, Dino mencionou o filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, que aborda o desaparecimento de Rubens Paiva, ex-deputado cujo corpo nunca foi encontrado. O caso de Paiva é emblemático da dor enfrentada por familiares de desaparecidos políticos no Brasil.
“Essa história sublinha a dor imprescritível de milhares de famílias que nunca puderam velar ou sepultar seus entes queridos, apesar de buscas incessantes como as realizadas por Zuzu Angel em relação ao filho”, destacou o ministro.
Próximos Passos no STF
A decisão de Flávio Dino será submetida ao plenário do STF em sessão virtual, onde os ministros decidirão se reconhecem a repercussão geral da matéria. Caso o entendimento de Dino seja confirmado, o julgamento poderá estabelecer uma nova interpretação jurídica sobre a aplicação da Lei de Anistia a crimes permanentes.
A iniciativa representa um avanço na luta por justiça histórica e pelos direitos das famílias de desaparecidos políticos, reafirmando o compromisso do Brasil com a memória e os direitos humanos.