O município de União dos Palmares, em Alagoas, enfrenta um doloroso luto coletivo após o trágico acidente de ônibus na Serra da Barriga, que resultou na morte de 18 pessoas. O veículo transportava passageiros que visitariam o platô da serra, um local de grande relevância histórica e espiritual, sobretudo para as religiões de matriz africana. Outras 30 pessoas ficaram feridas na tragédia que abala a cidade, reconhecida como berço do Quilombo dos Palmares.
A líder religiosa Mãe Neide Oyá D’Oxum, de 62 anos, que vive há mais de quatro décadas na região, expressou o impacto da tragédia. “Estamos vivendo um luto coletivo em um solo sagrado onde as pessoas vão reverenciar nossos ancestrais. Entendo que foi uma fatalidade. Esse projeto de visita à serra tem dado muita visibilidade ao Quilombo dos Palmares e pertencimento às pessoas que lutam pela causa negra”, declarou.
O acidente ocorreu durante uma atividade promovida pela prefeitura, intitulada “Pôr do Sol na Serra”, que oferece transporte gratuito para visitas ao Parque Memorial Quilombo dos Palmares. No entanto, a segurança do veículo está sob investigação pela Polícia Civil.
Impacto no Mês da Consciência Negra
A tragédia ganha ainda mais significado por ocorrer em novembro, mês dedicado à celebração da Consciência Negra. “Esse 20 de novembro foi, pela primeira vez, um feriado nacional. Todo o estado de Alagoas está de luto”, afirmou o professor Clébio Correia, da Universidade Federal de Alagoas.
A coordenadora do Instituto Raízes de Áfricas, Arísia Barros, também lamentou o acidente, destacando preocupações com a estrada que, mesmo asfaltada desde 2019, apresenta desafios. “Uma vez, o carro em que estávamos rodopiou na pista, quando era estrada de barro. Esse é o caminho diário de estudantes que descem para a escola”, alertou.
Esforços de Resgate e Solidariedade
O resgate mobilizou bombeiros e moradores locais, que enfrentaram condições difíceis para ajudar as vítimas. A jornalista Rayane Silva, de 27 anos, foi uma das primeiras a chegar ao local, levando água e auxiliando nos primeiros socorros. “Estava tudo muito caótico. A população foi fundamental para ajudar os bombeiros”, relatou.
O terreno acidentado da serra tornou o resgate ainda mais desafiador. “Era muita pedra e estava bem escorregadio. As pessoas estavam sendo retiradas na mão e colocadas em macas com a ajuda da população. Geralmente, seis ou sete pessoas carregavam vítima por vítima”, explicou Rayane, que também presenciou cenas emocionantes, como o reconhecimento do corpo de uma vítima por seu irmão.
Segundo relatos, o guia turístico do grupo conseguiu sair do veículo segundos antes de ele despencar. “Quando o ônibus estava subindo a serra, todos escutaram um barulho como de uma mangueira estourando. O motorista parou e pediu para o pessoal descer. Esse rapaz foi o primeiro e único a sair”, contou a jornalista.
Patrimônio e Memória
A Serra da Barriga é um patrimônio cultural brasileiro tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O local foi sede do Quilombo dos Palmares no século 18, simbolizando a resistência negra no Brasil. Para a comunidade afrodescendente, a serra é um espaço sagrado, onde rituais e manifestações culturais se mantêm vivos.
O movimento negro lamentou o ocorrido, destacando o simbolismo da tragédia em um mês tão representativo. “Lamentamos ainda mais que essa tragédia marque o Mês da Consciência Negra com extrema tristeza e dor, num território de tanta importância histórica”, declarou o Centro de Cultura e Estudos Étnicos Anajô.
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, também prestou solidariedade: “Em um mês tão importante para todo o país, da Consciência Negra, sobretudo para a região do Quilombo dos Palmares, essa tragédia nos entristece ainda mais profundamente.”
Este episódio reforça a necessidade de medidas rigorosas para garantir a segurança de iniciativas que envolvem locais de tamanha relevância histórica e cultural, preservando vidas e a memória de um dos maiores símbolos de resistência do Brasil.