Há três décadas, em 1º de julho de 1994, o Brasil assistia ao nascimento de um dos planos econômicos mais audaciosos da história mundial. O Plano Real substituiu o cruzeiro real pelo real, eliminando a hiperinflação que corroía a economia. Este movimento envolveu uma complexa “engenharia social” para desindexar a inflação após anos de tentativas frustradas.
O governo Itamar Franco, em um esforço liderado pelo então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, introduziu a Unidade Real de Valor (URV), que serviu como um superindexador temporário. Durante três meses, preços e salários foram expressos tanto em cruzeiros reais quanto em URV, que flutuava diariamente, aproximando-se da cotação do dólar. Quando o real foi finalmente lançado, um R$ 1 valia uma URV, que por sua vez equivalia a 2.750 cruzeiros reais.
Persio Arida, um dos arquitetos do plano, relembra o desafio: “Foi um processo extraordinariamente arriscado, com vários percalços e que poderia ter falhado em muitos momentos.” O sucesso inicial foi evidente quando o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) caiu de 47,43% em junho de 1994 para apenas 1,71% em dezembro do mesmo ano.
Plano Larida: A Ideia que Mudou o Brasil
A concepção do Plano Real, conhecida inicialmente como Plano Larida, foi apresentada por André Lara Resende e Persio Arida em 1984. Inspirado em uma experiência heterodoxa de Israel nos anos 1980, o plano propunha uma moeda indexada atrelada à moeda oficial para eliminar a inércia inflacionária.
No Brasil, uma tentativa anterior, o Plano Cruzado de 1986, falhou devido ao prolongamento do congelamento de preços e à falta de controle monetário e fiscal. O Plano Real, contudo, se beneficiou de um raro consenso político e da criação do Fundo Social de Emergência, que permitiu uma maior flexibilidade orçamentária.
Consenso Político e Impacto Social
O sucesso do Plano Real não se deve apenas à URV, mas também ao apoio político e à cooperação entre diferentes esferas do governo. Virene Matesco, professora de economia da FGV, destaca a importância do entrosamento político durante o governo transitório de Itamar Franco e o protagonismo dado a Fernando Henrique Cardoso. “Houve uma perfeita harmonia entre a política e a economia para impactar no social”, ressalta.
Reconhecimento e Legado
Três décadas depois, o Plano Real continua a ser celebrado por economistas de diferentes correntes. Leandro Horie, do Dieese, elogia a estabilização da inflação, enquanto Leda Paulani destaca o fim da indexação dos preços como um dos maiores benefícios do plano. Alexandre Espírito Santo, do Ibmec, classifica o Plano Real como o mais bem-sucedido plano de estabilização econômica na história global recente.
Para Edmar Bacha, outro dos pais do plano, o maior legado foi acabar com a hiperinflação, devolvendo poder de compra ao trabalhador brasileiro. Hoje, o Plano Real é lembrado não apenas como uma conquista econômica, mas como uma revolução que trouxe estabilidade e prosperidade ao Brasil.
Virene Matesco se emociona ao refletir sobre o impacto do plano: “Se hoje a nossa vida é muito melhor, é graças aos nossos economistas que construíram um plano que fez muito pouco estrago na economia. O Plano Real acaba com a hiperinflação com quase nenhuma dor. Foi um plano extremamente transparente, feito por etapas e muito bem comunicado à população.”
Assim, ao celebrar os 30 anos do Plano Real, reconhecemos não apenas a sua importância histórica, mas também o exemplo de como um país pode superar desafios aparentemente insuperáveis com determinação e inovação.